Desde a Expo’98, o espaço público na área metropolitana de Lisboa mudou muito. Numa colecção de três livros, disponível gratuitamente em formato digital, é feito um reconhecimento do trabalho de requalificação que ocorreu por todo este território nos últimos 25 anos.
O que mudou no espaço público nos últimos 25 anos? Que aprendizagens podemos fazer com o passado para melhor planear o futuro? Estas são algumas das questões a que o projecto de investigação MetroPublicNet, da Faculdade de Arquitectura de Lisboa, está a tentar responder, ao mesmo tempo que tenta formular o que pode ser uma Rede Metropolitana de Espaço Público. O grupo de investigadores já mapeou mais de 1100 intervenções realizadas nos últimos anos por toda a área metropolitana de Lisboa (amL). Agora, seleccionou 24 delas para destacar numa colecção de três livros que disponibiliza gratuitamente à população.
“Estes três livros são o resultado de uma fase intermédia do projecto MetroPublicNet em que fazemos um reconhecimento daquele que foi o trabalho de requalificação do espaço público na área metropolitana de Lisboa nos últimos 25 anos, desde a Expo’98”, explicou João Rafael Santos, coordenador do projecto, durante a apresentação deste trabalho. “Estes livros procuram ser uma forma sistematizada e representativa, mas sempre limitada, deste universo de intervenções que foram feitas e que se baseiam em três pilares: a caminhabilidade e mobilidade activa, os bairros conectados e coesos, e as infraestruturas verdes e azuis.”
A apresentação dos três livros decorreu esta sexta-feira, 20 de Outubro, na sede da Área Metropolitana de Lisboa (AML), onde técnicos dos vários municípios e de outras entidades com impacto no território da amL participaram num workshop promovido pelos investigadores da MetroPublicNet. Para Carlos Humberto, Primeiro-Secretário da AML, estes livros permitem olharmos para trás e aprendermos com os erros: “Fez-se imenso ao nível do espaço público na amL, mas há muito para fazer ainda. E nem sempre se fez bem. É preciso olhar para trás, avaliar o que se fez bem e mal, para não repetirmos no futuro os mesmos erros ou fazermos melhor.”
Como é do conhecimento geral, a requalificação do espaço público – na amL, como noutros territórios – é conseguida graças à disponibilização de fundos comunitários, que ajudam a custear uma parte das intervenções. E, neste contexto, Carlos Humberto, partilhou um desabafo: existem “alguns custos” por a amL ter “a importância e as potencialidades” que tem no que toca ao acesso a esses financiamentos comunitários, em comparação com outras regiões de Portugal. “Para terem uma ideia, houve uma redução de cerca de 800 milhões de euros, que tínhamos no quadro comunitário actual, para cerca de 400 milhões de euros”, disse o responsável da AML. Por outro lado, “enquanto que no resto do país, o financiamento [dos projectos] anda nos 70-85%, aqui vai ser reduzido para 40%”.
De Mafra a Setúbal, de Cascais a Vila Franca de Xira, de Almada a Alcochete
Com mais ou menos dinheiro, os livros que agora são publicados constituem uma espécie de elogio ao que se alcançou nas últimas décadas, de Mafra a Setúbal, de Cascais a Vila Franca de Xira, de Almada a Alcochete. “Dentro do universo imenso de intervenções que encontrámos e que mapeámos (mais de 1100), seleccionamos, com um critério de representatividade e de interesse, 24 casos de natureza muito distinta. Procurámos que. pelo menos cada, um dos 18 municípios da aml estivesse representado e tentamos organizar os exemplos de acordo com estes três grande pilares ou racionais”, clarificou João Rafael Santos.
Cada livro contém uma introdução comum, seguida de uma abordagem ao tema de cada volume (“Caminhabilidade e Mobilidade Activa”, “Bairros Conectado e Coesos” e “Infraestruturas Verdes e Azuis”), e de oito casos. Durante a apresentação, João passou por dois exemplos de cada livro: desde o Metro Sul to Tejo, em Almada e Seixal, em que uma nova infraestrutura de transporte obrigou a repensar o espaço público numa série de avenidas e de estradas, aos Percursos Ribeirinhos e à requalificação urbana da EN10, em Vila Franca de Xira, onde se criou um diálogo entre a mobilidade lúdica e a mobilidade quotidiana; desde a Calçada da Ajuda, em Lisboa, onde se pensou no prolongamento das áreas habitacionais e comerciais para o exterior, à zona da Leceia e Pedreira Italiana, em Oeiras, que nasceram de génese ilegal e onde se procurou um equilíbrio com as áreas naturais; desde Praias da Foz do Lizandro e de Ribeira d’Ilhas, em Mafra, que representam um outro tipo de espaço público, à Frente Ribeirinha de Lisboa, em que se aproximou a cidade do rio Tejo.
Download gratuito
Os 24 projectos seleccionados são representativos da diversidade tipológica, programática, de financiamento e de posicionamento territorial. Os três livros estão disponíveis no site da AML, no da Faculdade de Arquitectura de Lisboa e também no do URBinLAB, o centro de investigação no qual o MetroPublicNet está integrado. Podem também ser descarregados aqui:
“Quando não conhecemos o que foi feito e vamos inventar o que outros já fizeram”
O projecto MetroPublicNet visa perceber se o espaço público pode ser concebido e estruturado ao nível metropolitano, de modo a criar uma rede integrada e coerente, capaz de responder a desafios de robustez urbana, mobilidade de baixo carbono e coesão territorial. Este projecto de investigação explora a hipótese de que uma Rede Metropolitana de Espaço Público pode maximizar sinergias territoriais e formas de integração, capazes de construir uma identidade metropolitana socialmente identificável, como te explicámos aqui.
Tem três principais objetivos: contribuir para o debate sobre a importância de projetos de escala metropolitana no domínio do espaço público; contribuir para uma leitura crítica dos projetos de qualificação na região; e dar contributos e recomendações para a conceção de espaço público, através de parcerias de colaboração entre a administração, a universidade e a sociedade civil. Promovido pelo Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, o projeto é financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, e tem o apoio da AML e colaboração dos municípios.
Durante a apresentação, Carlos Dias Coelho, Presidente da Faculdade de Arquitectura de Lisboa (FAUL), destacou que estes livros são “o primeiro passo do que deveríamos fazer em qualquer trabalho, que é perceber o que foi feito e ter uma visão crítica sobre o que foi feito. Das oportunidades mais perdidas que temos é quando não conhecemos o que foi feito e vamos inventar o que outros já fizeram, já experimentaram, e com o quão poderíamos aprender e partir de um patamar diferente”. Para o arquitecto, sendo a população cada vez mais urbana, o espaço público “deve ser reconhecido como um elemento essencial da organização dos nossos espaços urbanos, com todas as variações que eles agora têm, mesmo quando às vezes nem lhe reconhecemos essas naturezas”. “Todos temos o direito a viver em espaços públicos de qualidade”, concluiu Carlos Dias Coelho.
Por seu lado, David Vale – que, para além do Hi-BicLab, outro projecto de Investigação que temos acompanhado aqui no LPP, também colabora com o MetroPublicNet – destacou a importância do livro como uma forma de aproximar a investigação científica do mundo técnico que pode aplicar esse conhecimento na prática. “A disseminação é muito importante. Nós, investigadores, produzimos muita coisa. Sabe-se muita coisa. Mas temos dificuldade em chegar às autarquias, a quem decide, a quem executa”, salientou o também professor da FAUL, acrescentando que é importante também colaborar na identificação dos problemas e “trabalhar em ‘rede’ – a palavra ‘rede’ é importante aqui para o projecto”.