Associações e outras organizações dedicadas à mobilidade activa, urbanismo e ambiente pedem à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) esclarecimentos sobre a legalidade do estacionamento de carros em cima de passeios, e exigem medidas que “protejam o mais elementar direito de andar a pé”.
Uma dezena de associações ligadas à mobilidade activa, urbanismo e ambiente juntou-se a alguns movimento informais e individualidades para pedir à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) esclarecimentos sobre a legalização do estacionamento automóvel em cima do passeio, que tem enquadramento no Regulamento de Sinalização de Trânsito (RST). O colectivo pede que sejam tomadas “medidas que protejam o mais elementar direito de andar a pé”.
Numa carta enviada na semana passada à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), as associações e outras organizações solicitaram à ANSR, o regulador responsável pela legislação rodoviária, um “esclarecimento jurídico sobre esta matéria”, reclamando a tomada de medidas legais e administrativas para ser retirada do Regulamento de Sinalização de Trânsito (RST) a sinalética que “permite, ao arrepio das normas do Código da Estrada, o estacionamento de veículos nos passeios“.
O grupo refere-se concretamente a três sinais – os modelos 12c, 12d, 12e e 12f – que, quando aplicados debaixo do icónico “P” azul, permitem o estacionamento total ou parcial de carros em cima do passeio. Em Lisboa, podemos encontrar esta sinalética em algumas ruas e avenidas da cidade. Não só no bairro do Restelo, em Belém, onde o tema foi polémico recentemente, mas também na Avenida Almirante Gago Coutinho, em Alvalade/Areeiro, na Calçada da Tapada, em Alcântara, na Avenida das Descobertas, em Belém, na Calçada das Necessidades, na Estrela, na Rua Dom Carlos de Mascarenhas, em Campolide, e na Avenida do Brasil, em Alvalade.
“Esta sinalética, existente no Regulamento de Sinalização do Trânsito (RST), contraria as normas do Código da Estrada e os vários instrumentos jurídicos nacionais e europeus, como sejam a Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Pedonal 2030, a Estratégia Nacional de Segurança Rodoviária 2021-2030, o Regime Jurídico das Acessibilidades ou o Quadro Europeu da Mobilidade Urbana. E, por ser incompatível com normas e princípios legais e constitucionais (como seja a liberdade e segurança de todas as pessoas) coloca em causa a coerência do sistema, a certeza e a segurança jurídica, pelo que não pode permanecer no nosso ordenamento jurídico”, entende o colectivo, segundo uma nota enviada à comunicação social.
O grupo é constituído pelas seguintes entidades:
- ACVI – Associação Centro de Vida Independente
- ACA-M – Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados
- APSI – Associação para a Promoção da Segurança Infantil
- MUBi – Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta
- ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável
- Braga Ciclável – Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta
- Ciclaveiro – Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta e ONG-A
- Espécie Rara Sobre Rodas (@especierarasobrerodas)
- Estrada Viva – Liga de Associações pela Cidadania Rodoviária, Mobilidade Segura e Sustentável
- FPCUB – Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta
- GARE – Associação para a Promoção de uma Cultura de Segurança Rodoviária
- GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente
- ICVM – Instituto de Cidades e Vilas com Mobilidade
- Mobilidade Activa Porto (@mobilidade_ativa_porto)
- The Future Design of Streets Association
As associações pedem ainda que sejam criadas “normas que impeçam a desafectação do espaço pedonal para estacionamento de veículos e alargamento de rodovias, quer através da redução física dos passeios quer através de pintura ou de outros dispositivos”, como está a acontecer recentemente em Corroios. A sugestão do grupo é que estas normas sejam definidas no diploma que regula as condições de acessibilidade em espaços públicos, o Decreto-Lei nº 163/2006. Outra reivindicação prende-se com a introdução de penalizações pecuniárias concretas para quem estaciona em cima de linhas amarelas contínuas paralelas aos passeios – uma situação que não está prevista no Artigo 65º do RST, onde estão definidas de coimas para várias infracções.
Dar prioridade ao andar a pé
Na carta enviada à ANSR, o colectivo lembra que em 2013 foi dado “um passo em frente ao consagrar expressamente no Código da Estrada (CE) a protecção dos utilizadores vulneráveis da via pública”, como peões. “Em concreto, o CE reserva de forma exclusiva o espaço dedicado aos peões, em passeios e noutros locais que lhe são destinados, atribuindo coimas particularmente pesadas aos infractores”, entende. Diz que esta lógica do CE foi reflectida em várias estratégias, planos e compromissos nacionais, desde o campo da mobilidade activa ao da segurança rodoviária, passando pelo designado “envelhecimento activo e saudável”, e pelas metas de redução de emissões, sendo necessária “a adaptação de toda a legislação que possa influenciar esses objectivos”.
Para as associações, a existência de sinalética no RST que autoriza o estacionamento automóvel nos passeios “tem servido para normalizar um problema estrutural na organização do espaço público em Portugal, que exigiria medidas diametralmente opostas, no sentido de desincentivar o (ab)uso do automóvel”. É preciso, no entender do grupo, que o Regulamento de Sinalização de Trânsito e o Código da Estrada sejam revistos em consonância com as estratégias e metas assumidas, permitindo desincentivar os condicionamentos à mobilidade pedonal, garantir a acessibilidade universal, promover a segurança e proteção dos peões, e ainda incentivar o andar a pé como forma de transporte e como complemento determinante para o uso dos transportes públicos.
Os colectivos indicam que, mesmo quando não estão ocupados com carros, “os passeios são espaços de difícil ou até impossível circulação” em Portugal, “seja por insuficiente largura, má escolha de materiais ou deficiente manutenção, a que se soma a propensão para instalar no canal para peões boa parte do equipamento e mobiliário urbano”. “Tal afecta a mobilidade de cidadãos e cidadãs sem qualquer dificuldade motora, e, por maioria de razão, todos aqueles que, momentaneamente ou de forma permanente, sofrem de qualquer problema que dificulte a sua locomoção.”