A consultora dinamarquesa Copenhagenize, contratada por Moedas, acredita que “Lisboa tem potencial para se tornar uma das principais cidades cicláveis, nos próximos 5 a 10 anos”.
Depois da apresentação aos jornalistas, a Câmara de Lisboa publicou no seu site o relatório da auditoria realizada pela consultora dinamarquesa Copenhagenize à rede ciclável da cidade. O documento, composto por três anexos, destaca que “Lisboa tem potencial para se tornar uma das principais cidades cicláveis, nos próximos 5 a 10 anos”, e o principal desafio da cidade nos próximos anos deve ser “a melhoria, a ligação e a expansão simultâneas da rede ciclável existente”.
De acordo com a Copenhagenize, esse desafio “implica a realização de melhorias pontuais em toda a infraestrutura actual para ligar as ciclovias através de cruzamentos e para resolver as ligações em falta na conetividade local. Estas melhorias incluem a resolução de problemas de segurança nos cruzamentos e o reforço da legibilidade e coerência globais das infraestruturas existentes, incluindo a sinalização e a orientação. Deve ser dada prioridade ao preenchimento de pequenas lacunas e à simplificação das transições entre ruas”. A consultora dinamarquesa acrescenta que “é imperativo acompanhar a expansão da rede e a resolução dos problemas de alta prioridade, com uma revisão sistemática da infraestrutura ciclável existente”.
O relatório da auditoria tem mais de 100 páginas (sem contar com os anexos) e resulta de um trabalho de análise aos dados da infraestrutura ciclável e da cidade, bem como da experiência de quatro dias a pedalar pela cidade e a filmar toda a rede. Foi ainda realizado um inquérito online aos utilizadores, em Junho do ano passado, e um workshop com técnicos municipais, numa lógica de capacitação local.
“O mais importante a nível estratégico são as ligações em falta ao longo do limite ocidental da cidade e entre as partes ribeirinha e central da rede”, aponta o relatório, referindo “a nível local, algumas destas ligações em falta” podem ser feitas com “relativamente pouco investimento”. O documento diz que uma ligação entre a Praça do Chile e o rio, através da Rua Morais Soares e da Avenida Mouzinho de Albuquerque, é uma das mais prioritárias, bem como entre o Marquês de Pombal e o meio da Almirante Reis, entre Benfica e Algés pelos limites da cidade, ou ligações entre as zonas residenciais de Alcântara e Belém, pela Rua da Junqueira. A Avenida de Roma também é prioritária.
TOP 5 / Lista de conexões de alta prioridade que precisam de infraestrutura
- Rua Àurea / Rua da Prata / Rua Dos Fanqueiros
- Avenida Mouzinho De Albuquerque
- Rua Da Junqueira
- Avenida Conselheiro Fernando De Sousa
- Estrada de Benfica
Mas na lista das cinco “conexões de alta prioridade que precisam de infraestrutura”, a Copenhagenize colocou a Baixa (nomeadamente as ruas do Ouro e dos Fanqueiros, pois a Rua da Prata já tem), a Avenida Mouzinho De Albuquerque, a Rua da Junqueira, a Avenida Conselheiro Fernando de Sousa, entre as Amoreiras e Campolide, e a Estrada de Benfica. Quanto ao conforto, apontam que os arruamentos com mais problemas são as avenidas Infante Dom Henrique, da Brasília e da Liberdade, onde, aliás, dizem que deve existir uma ciclovia segregada.
O relatório da auditoria aponta ainda para a não remoção de infraestrutura rodoviária, como aconteceu na Avenida de Berna. “A cidade deve aderir a um princípio que dita a não remoção de infraestruturas dedicadas para bicicletas e trotinetas, sem que sejam providenciadas de antemão alternativas equivalentes ou de maior qualidade”, pode ler-se. Apesar de a visita da Copenhagenize ter decorrido antes de qualquer alteração à ciclovia na avenida que liga a Praça de Espanha à Avenida da República, o documento tece duras críticas e alguns corredores 30+bici, em particular ao da Avenida Elias Garcia, apontando-o como uma das três ruas 30+bici que “precisam de reformulação”. A Elias Garcia, juntamente com a Avenida Barbosa du Bocage, que a Copenhagenize também critica enquanto ligação 30+bici, foi a alternativa que a Câmara deu aos ciclistas depois de encurtar a pista na Avenida de Berna. “As ruas 30+bici na área em torno da Avenida Elias Garcia têm um volume de tráfego elevado e não são confortáveis de utilizar durante a hora de ponta”, escrevem os auditores. “As bicicletas ficam presas nos engarrafamentos.”
Análise SWOT
Pontos fortes
- Já existem muitos quilómetros de ciclovias protegidas, garantindo um certo nível de segurança e visibilidade;
- Essas ligações protegidas são um esqueleto da rede que já cobre muitas partes da cidade e destinos importantes;
- A GIRA está a aumentar a disponibilidade de bicicletas eléctricas e ajuda a normalizar a bicicleta entre os grupos etários mais jovens.
Pontos fracos
- Faltam ligações locais de pequena escala, entre os principais elementos da rede;
- Zonas mal servidas na cidade, com pouca ou nenhuma infraestrutura para bicicletas;
- Infraestruturas nem sempre garantem uma separação saudável entre utilizadores de velocípedes e peões, levando a conflitos;
- Partes significativas das ligações não são suficientemente largas;
- A grande maioria da rede rodoviária tem limites afixados de 50 km/h, o que constitui uma velocidade altamente letal em caso de colisão com utentes vulneráveis da estrada.
Oportunidades
- Alguns pequenos ajustes podem fazer uma grande diferença no desempenho da rede.
- Melhorias rápidas e baratas nos cruzamentos podem melhorar a segurança e a experiência de quem circula de bicicleta;
- Muitas vias rodoviárias de acesso poderiam ser suprimidas, melhorando significativamente a segurança dos utilizadores de velocípedes.
- Os semáforos para bicicletas poderiam ser programados para dar aos ciclistas um avanço, ou pré-verde, antes do tráfego motorizado;
- As ruas 30+bici têm um grande potencial ao nível local se forem desenhadas correctamente, com mais medidas físicas de redução de tráfego;
- As ruas 30+bici são também um ótimo primeiro passo para implementar mais pistas de contra-fluxo para bicicletas;
- A rede já dispõe de ligações de longa distância, em vias rápidas e que podem ser tornadas mais atrativas e agradáveis.
Ameaças
- Infraestruturas mais antigas podem necessitar de investimentos significativos para manutenção e melhoramentos, o que pode consumir os recursos necessários para construir novas infraestruturas e colmatar lacunas;
- Os conflitos políticos sobre o valor do estacionamento são muitas vezes difíceis de ultrapassar;
- Uma certa mentalidade leva as pessoas a pensar que algumas zonas de Lisboa são demasiado acidentadas para bicicletas e infraestruturas para velocípedes;
- As zonas 30+bici existentes carecem muitas vezes de acalmia de tráfego e incentivam os automóveis a utilizar essas ruas, permitindo o excesso de velocidade.
Principais conclusões
- Melhorar os cruzamentos, tornando-os mais seguros. Alguns cruzamentos requerem apenas pequenas adaptações, como a adição de superfícies coloridas para marcar as passagens para bicicletas, a adição de sinalética para sensibilizar os condutores de automóveis ou a instalação de semáforos;
- Tornar os cruzamentos em que existem viragens à esquerda ou à direita de carros, colocando sinalética que lembre os condutores de automóveis de que podem existir bicicletas a passar, protegendo esses cruzamentos ou optando por ciclovias unidireccionais a bidireccionais;
- Melhorar a Avenida da Liberdade com ciclovias protegidas, tendo em conta a importância desta avenida para a conetividade global da rede não pode ser subestimada e a largura do corredor;
- Melhorar a continuidade com a eliminação de lacunas locais e a adição de novas ligações locais, incluindo atalhos só para bicicleta, tornando este meio de transporte mais competitivo que outros em termos de tempo. Por vezes, pode ser só uma rampa ou marcações;
- Colocar sinalética orientar melhor os ciclistas nos cruzamentos e entre partes da rede;
- Preencher as ligações em falta de alto nível, começando pelas de alta prioridade que estão identificadas no relatório da auditoria;
- Acrescentar estacionamento de longa duração para bicicletas nas estações de comboio e estacionamento de curta duração nas estações de metro para melhorar a intermodalidade;
- Acabar com as interrupções de ciclovia junto aos abrigos de autocarro, com soluções de design que permitam ter uma ciclovia contínua;
- Melhorar as antigas ciclovias “vermelhas”, tornando-as mais intuitivas, resolvendo as descontinuidades e adaptando-as aos padrões de design mais recentes;
- Melhorar a separação dos peões nas zonas ciclopedonais, como na frente ribeirinha, para aumentar o conforto e resolver os conflitos. A estruturação das zonas ciclopedonais com assentos, sombra e vegetação melhora o espaço e dá aos utilizadores uma indicação mais clara da parte que lhes é destinada;
- Adicionar marcações mais claras e melhorar os espaços para peões para os afastar das infraestruturas para bicicletas. Em muitos locais da cidade, os peões estão a utilizar as infraestruturas para bicicletas como passeios, o que dificulta uma circulação contínua e gera conflitos. Com marcações de espaço e com pavimentos confortáveis nos passeios, pode ser resolvida esta questão;
- Melhorar e unificar a conceção dos cruzamentos em toda a rede, uma vez que a existência de vários desenhos de cruzamento unificados facilita a travessia para as bicicletas e permite que os automóveis saibam o que esperar em termos de movimentos e tempos para as bicicletas;
- Redução de tráfego em ruas 30+bici que excedam 2000 carros por dia com medidas de acalmia nos bairros. Se as ruas forem importantes demasiado importantes para a conetividade automóvel, não recomenda-se a utilização deste conceito em ruas mais calmas. Devido ao tráfego automóvel, os corredores 30+bici estão muitas vezes entupidos de carros, dificultando a passagem das bicicletas, o que resulta num menor conforto e em mais conflitos;
- Desenvolver uma campanha de informação para os percursos de longa distância existentes ao longo do rio e de itinerários principais. Estes tipo de percursos podem beneficiar de uma sinalética própria, que oriente melhor os utilizadores e atraia novos utilizadores;
- Densificar a rede, acrescentando ligações paralelas e não esquecendo a expansão dessa rede para zonas mais afastadas, como Belém e Benfica;
- Alargar as ciclovias mais movimentadas, como a Avenida da República. Alargá-las de acordo com as melhores práticas internacionais aumentará a sua usabilidade, a perceção de segurança e conforto e, dessa forma, atrairá novos utilizadores, facilitando ao mesmo tempo a vida dos actuais. Depois de alargar as ciclovias mais frequentadas, as partes estreitas de toda a rede devem ser alargadas;
- Uniformizar a cor das ciclovias. Embora este seja um problema de baixa prioridade, uma rede uniforme de bicicletas aumenta a legibilidade e a intuitividade;
- Continuar a expandir a rede, depois de melhorar as condições na cidade, colmatar lacunas e alcançar uma estrutura de rede densa.
O relatório da auditoria é denso e recheados de ideias, problemas, mas também de soluções. A Copenhagenize desenhou 20 ideias para ruas, avenidas e cruzamentos. Destes desenhos, os auditores consideram que a descontinuidade do Largo da Luz, a Rua Morais Soares, a Avenida da Igreja e os cruzamentos da Av. Fontes Pereira de Melo deveriam ser dos mais prioritários – ou seja, poderiam e deveriam ser implementados dentro de um ano.
Nas propostas está ainda um “novo centro histórico”, com filtros modais que permitam retirar carros da Baixa, um modelo 30+bici para a Avenida Elias Garcia, que poderia ser replicado noutras zonas da cidade, ou ainda uma ideia para melhorar toda a Praça de Espanha.
Podes descarregar toda a documentação da auditoria à rede ciclável neste artigo ou no site da Câmara.