A GIRA está a ser expandida na cidade de Lisboa, com a instalação de novas estações. No entanto, alguns dos locais escolhidos prejudicam áreas de circulação pedonal e de estadia, não são favoráveis aos utilizadores das bicicletas partilhadas e bloqueiam projectos de ciclovias.

“Como se já não fossem poucos os espaços para se descansar nas Avenidas Novas, decidiram ocupar parte da placa central da Marquês de Tomar com uma enorme estação de bicicletas que irá impedir a passagem de peões e o usufruto de quatro bancos de jardim.” O desabafo é de Pedro, que mora ali perto. Ao LPP, lamenta o que diz ser uma “falta de coragem de tirar três lugares de estacionamento” e refere que “os automobilistas valem mais do que peões”. “Parece que preferem prejudicar o peão e quem se senta nos bancos de jardim do que tirar três lugares de estacionamento!? Acham que os estacionamentos fazem mais falta apesar dos prédios que vão sendo renovados disporem todos de garagem…”, questiona.
A freguesia das Avenidas Novas é, como o nome indica, caracterizada pelas suas avenidas. Muitas dessas avenidas possuem largos separadores centrais que, noutros tempos, eram usados para circulação pedonal e lazer. Contudo, com o avanço do automóvel e a nova procura de estacionamento, esses espaços foram sendo adaptados às novas necessidades.
Há pequenas excepções, como o espaço central da Avenida Marquês de Tomar junto ao cruzamento com a Miguel Bombarda. Ali não há carros estacionados, mas uma pequena zona de estadia que oferece a quem por lá passe sombra de árvores frondosas, alguns bancos para sentar e um quiosque de venda de jornais. Mas o local, que também serve também de refúgio climático em dias de muito calor, foi escolhido para a instalação de uma nova estação GIRA, com 14 docas.


O processo de instalação desta estação seguiu os trâmites normais: primeiro, apareceram as placas que sustentam as docas, depois as próprias docas e, por fim, o totem. Tudo embalado em plástico, com aspecto de novo. A estação foi colocada mesmo à frente de dois dos quatro bancos que existem na placa central da avenida, em vez da opção mais imediata de suprimir três lugares de estacionamento. Miguel, que trabalha naquela zona, diz ao LPP que a estação que agora foi colocada no meio de uma área pedonal, já tinha instalada há alguns anos em lugares de estacionamento mesmo ao lado mas que essa localização havido sido contestada, levando à retirada da infraestrutura. “Há uns tempos tentaram instalar uma mesmo em frente a um edifício aqui próximo, mas, como ocupava dois lugares de estacionamento, houve protestos…”, recorda.



Substituir três lugares de estacionamento por 14 docas para bicicletas partilhadas não só é um caminho no sentido de espaço público mais justo e inclusivo para diferentes formas de mobilidade, como também mostra um compromisso claro com formas de deslocação mais colectivas. Esta medida favorece um maior número de pessoas – 14 bicicletas partilhadas em vez de três carros individuais – e acompanha as melhores práticas internacionais. Ao colocar essas docas de bicicletas no passeio, está a estrangular-se ainda mais estas áreas já tão fustigadas em cidades como Lisboa.
“As estações da GIRA não deviam ser localizadas nos passeios. Esta situação na Marquês de Tomar é particularmente grave e até absurda. Vamos admitir que ainda há bom senso para a corrigir”, contesta Mário Alves, especialista em mobilidade e particular defensor da mobilidade activa pedonal. “Os passeios já são sacrificados com demasiadas barreiras, para serem ocupados por mais uma. O espaços pedonais de Lisboa são extremamente frágeis e em muitos casos caóticos. O caminho de uma cidade mais saudável e amiga das pessoas (principalmente crianças e idosos) é aumentar e ordenar os passeios. É lamentável a desatenção com que tratamos os mais vulneráveis.”
No meio de um descampado, sem luz
Desde 2017, quando o sistema de bicicletas partilhadas de Lisboa começou a ser introduzido na cidade, que a localização das estações causou controvérsia. A instalação começou a ser feita sobretudo em locais que tiravam espaço ao automóvel, acompanhando as boas práticas internacionais, mas por pressão da população e das Juntas, de diferentes cores políticas, algumas dessas estações acabaram por ser deslocalizadas para zonas pedonais – ou mesmo retiradas.
Nas últimas semanas, várias novas estações GIRA têm surgido em novas partes da cidade, dando cumprimento aos anunciados objectivos de expansão. Mas há localizações que têm suscitado dúvidas – a da Marquês de Tomar não é caso único.
Em São Domingos de Benfica, mais concretamente no eixo da Rua Conde de Almoster, há uma nova estação colocada num descampado de terra batida, onde existe estacionamento informal de carros.
A infraestrutura foi instalada junto ao muro de um edifício, em cima de uma pequena tira de calçada, e, quando estiver a funcionar, vai obrigar as pessoas a caminharem por um pavimento de terra e de mato para acederem às bicicletas. Esta situação poderá ser particularmente desconfortável nos meses chuvosos, mas também durante o resto do ano para utilizadores que, por exemplo, andem de fato ou para pessoas mais vulneráveis, como jovens e mulheres, uma vez que não existe iluminação no local à noite.




Em cima da futura ciclovia
Entretanto, em Alvalade, passou a existir uma nova estação junto ao Estádio Universitário de Lisboa, que pode servir não só o Hospital de Santa Maria mas também os estudantes da Universidade Católica. Seria uma boa notícia, não tivesse sido na Avenida Egas Moniz, no exacto local onde está uma ciclovia projectada, que irá conectar às ciclovias das avenidas Lusíadas e dos Combatentes.




De acordo com o projecto da ciclovia, que foi tornado público através do concurso público lançado em 2021, o percurso da futura pista ciclável passaria pela zona de estacionamento que existe junto ao Estádio Universitário, na Avenida Egas Moniz – precisamente onde agora foi colocada a estação GIRA, com 31 docas.

A construção da ciclovia obrigaria à alteração do desenho dos lugares de estacionamento, que passariam de oblíquos para longitudinais não só à rodovia como ao percurso ciclável. Apesar de a construção desta ciclovia não ter avançado – mesmo tendo havido adjudicação da empreitada há três anos –, o projecto continua de pé e no plano de acção que Moedas apresentou recentemente para a expansão rede ciclável.
Bons exemplos
Nas últimas semanas, várias novas estações GIRA têm vindo a aparecer por várias partes da cidade. Em Abril, a EMEL dizia ao LPP que o objectivo é “chegar às 184 estações e a todas as freguesias do concelho até ao final do ano de 2024”, e que algumas das novas estações – como as colocadas na Penha de França – deverão abrir ainda neste mês de Junho. “Após a instalação das bases e docas da estação, existem ainda alguns aspetos tecnológicos, nomeadamente as comunicações digitais que permitem a integração do sistema GIRA”, explicava a empresa.
Das novas estações, poucas são as que levam dúvidas. Os três casos referidos neste artigo são excepções, num processo de expansão que tem sido feito com a retirada de lugares de estacionamento, numa perspectiva de reconversão modal que acompanha as melhores práticas internacionais. Terminamos este artigo com dois bons exemplos, na mesma freguesia das Avenidas Novas: uma nova estação de 20 docas na Avenida 5 de Outubro que substituiu apenas quatro lugares de estacionamento; e uma outra estação que foi colocada numa zona morta, sem qualquer utilização prática, na Avenida Defensores de Chaves e que oferece 21 docas.




A EMEL disse, sobre a situação na Avenida Marquês de Tomar, que a estação está a ser retirada, estando a sua nova localização ainda está por definir.
Actualização às 16h20 de 4/06/2023: adicionada informação da EMEL.