Sem aviso prévio e sem projecto de execução publicado, as obras da nova ciclovia pop-up na Avenida Almirante Reis arrancaram. O Lisboa Para Pessoas pediu repetidamente – e por diversas vias – o projecto à Câmara Municipal de Lisboa, que se tem recusado a responder sobre esta questão.

Arrancaram as obras na Avenida Almirante Reis para a construção da nova ciclovia, com as marcações do novo traçado no terreno. Segundo apurou o Lisboa Para Pessoas, a empreitada está a ser realizada pela EMEL com recurso ao plafond de sinalização horizontal e vertical de que a empresa dispõe. Mas nunca chegou a ser publicado o projecto final de execução.
Em construção, está a terceira versão da ciclovia, em formato pop-up – a versão que tinha sido prometida por Carlos Moedas. A nova configuração será uma ciclovia bidirecional no sentido descendente, que retira uma via de trânsito e que vai limitar a outra a 30 km/h. Esta solução surge em resposta à campanha eleitoral do actual Presidente da CML. Moedas tinha criticado o actual desenho e a ciclovia em si, referindo que o mesmo causava poluição e congestionamento, impedindo o escoamento do trânsito automóvel. O então candidato pela coligação Novos Tempos havia prometido remover a ciclovia, falando em estudar alternativas que, por exemplo, passassem pelas artérias laterais.
Mas, depois de uma manifestação que levou cerca de um milhar de pessoas a pedalar pela Avenida, de uma petição com mais de 3 mil assinaturas e de um processo participativo promovido pela autarquia, Carlos Moedas mudou de posição e decidiu manter a ciclovia, mudando-lhe a sua configuração. A nova configuração da ciclovia – uma terceira versão pop-up – já estaria decidida antes do processo de consulta pública, que teve duas sessões abertas a todas as pessoas, e mais duas com comerciantes e associações locais.

Desconhecendo-se ao certo que terá mudado no desenho com a auscultação da população, a nova ciclovia pretende aliviar a saída da cidade, ao devolver duas vias de trânsito automóvel no sentido ascendente, mantendo a ciclovia no sentido descendente, em direcção à Baixa. Nas duas sessões públicas, o arquitecto João Castro, representante do Gabinete do Presidente e responsável pelo projecto, falou na importância de uma pista contínua naquela Avenida, sem desvios para arruamentos laterais, também para que a Avenida pudesse ter uma configuração uniforme, sem surpresas neste ou naquele quarteirão.
Não há projecto publicado
O início da empreitada na Avenida Almirante Reis surge sem qualquer projecto da ciclovia publicado no site da Câmara de Lisboa, tal como vinha a ser praticado desde meados do mandato passado, depois de uma forte pressão da oposição, nomeadamente do então deputado municipal independente (agora da Iniciativa Liberal) Rodrigo Mello Gonçalves. Também Moedas tinha, mais recentemente, criticado Medina e o executivo anterior por impor soluções às pessoas e por não apostar numa política de diálogo e de transparência.

Apesar das críticas, o executivo de Moedas dá sinais de uma política não muito diferente. No site da Câmara onde estão os projectos de ciclovias, a Avenida Almirante Reis surge como “em obra” mas o projecto disponibilizado é o anterior, não tendo a página sido actualizada desde então. O Lisboa Para Pessoas contactou por diferentes vezes a Câmara de Lisboa, seja o Departamento de Comunicação, o Gabinete do Vereador da Mobilidade ou o Gabinete do Presidente, solicitando a apresentação pública feita na última sessão participativa e outros documentos relevantes mas nunca recebeu qualquer resposta. Questionando directamente o arquitecto João Castro depois da última sessão, o mesmo disse que teria de averiguar no seu Gabinete (o Gabinete do Presidente) se era autorizada a partilha da documentação, mas não recebemos mais nenhum contacto desde então.

O Lisboa Para Pessoas voltou a questionar a Câmara de Lisboa e agora também a EMEL sobre a apresentação e o projecto de execução. A única informação pública sobre a nova ciclovia da Almirante Reis são os relatos da imprensa, em particular o que aqui publicámos, e um vídeo que Carlos Moedas partilhou nas suas redes sociais.
Numa nova recusa da disponibilidade da documentação, o Lisboa Para Pessoas irá realizar um pedido formal à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) da Assembleia da República, uma vez que os órgãos autárquicos estão obrigados por lei a fornecer documentos e projectos da cidade a pedido dos cidadãos: “Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo”, refere o Artigo 5º da Lei nº 26/2016. O Artigo 3º especifica que um documento administrativo é “qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detida em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte, seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material”, como, por exemplo, “procedimentos de contratação pública, incluindo os contratos celebrados”, ou “gestão orçamental e financeira dos órgãos e entidades”.

Almirante Reis vai ser cortada para obras subterrâneas
A terceira versão da ciclovia na Almirante Reis vai avançar mesmo com as obras de drenagem previstas para breve para aquela Avenida. Sem data prevista (ou, pelo menos, anunciada) e sem se conhecer a duração da obra, é certo, no entanto, que o trânsito irá sofrer um corte temporário e prolongado para uma actualização do sistema de drenagem de águas pluviais.
De acordo com documentação do Plano Geral de Drenagem da cidade, está em causa uma intervenção de poucos meses, que, ainda assim, irá obrigar ao corte da Avenida Almirante Reis no sentido descendente na zona do Intendente, para a abertura de um buraco na via que permita escavar e realizar as obras no sistema de drenagem subterrâneo.
“A bacia L inclui as sub-bacias da Av. Almirante de Reis e Martim Moniz, abrangendo uma área total com 347 ha. A rede tem uma extensão de cerca de 79 500 m e comportamento unitário, sendo a gama de diâmetros mais frequente de 400-600 mm. Crê-se que cerca de 45% dos coletores tenham sido construídos antes de 1919. A rede serve cerca de 58 400 habitantes.”
– Plano Geral de Drenagem

“No que se refere ao estado de conservação, o coletor da Calçada de Arroios é de cascões e encontra-se muito danificado, pelo que deve ser substituído ou reabilitado. A restante rede funciona de forma satisfatória, com exceção dos problemas de transbordamentos, já conhecidos, que ocorrem frequentemente na Praça da Figueira e que resultam quer do problema estrutural aí existente (ligação deficiente de coletores junto ao Hotel Mundial, no Martim Moniz/Rua D. Duarte), quer de incapacidade hidráulica do coletor de jusante.
Assim, esta bacia dispõe de alguns troços com falta de capacidade hidráulica e que apresentam, igualmente, problemas estruturais.
De uma forma resumida, os principais problemas detetados na bacia L são os seguintes:
– Plano Geral de Drenagem
– Coletores em mau estado de conservação.
– Deficiente drenagem superficial.
– Ligação deficiente de coletores, com acentuadas perdas de carga localizadas.
– Troços com problemas estruturais e com falta de capacidade hidráulica.”
Mas João Paulo Saraiva, que teve a pasta da drenagem no mandato anterior, tem dito em intervenções públicas que a empreitada em cima da mesa não é pequena e que se trata de um poço que vai ser difícil de escavar e que propõe ocupar toda a via pública no sentido descendente. Todo o tráfego passaria, assim, pelo sentido ascendente, o que poderia significar duas vias partilhadas entre bicicletas e restantes veículos no troço da Avenida em obra.
João Paulo Saraiva, que tem neste momento na Câmara de Lisboa funções de vereador sem pelouro, e que lidera a oposição do PS, tem dito que os trabalhos podem durar dois anos no total, não sendo claro se o corte específico poderá ser só durante um período limitado de semanas ou meses. O Lisboa Para Pessoas também já contactou a Câmara de Lisboa no sentido de obter um esclarecimento.