Ainda muito centrada no automóvel, Alverca pode tornar-se numa cidade mais pedonal e ciclável, apoiando-se no conceito de “cidade de 15 minutos” de Carlos Moreno. Dois projectos privados prometem impulsionar em Alverca um modelo de maior proximidade; ao mesmo tempo, a cidade participa num programa europeu com Paris, Barcelona e Bucareste.
A “cidade de 15 minutos” tornou-se uma buzzphrase utilizada em comunicação política e também no mundo do marketing empresarial, correndo-se o risco de um esvaziamento do conceito e do seu valor. Alverca é a mais recente localidade portuguesa a querer ser uma “cidade de 15 minutos”, depois de Lisboa ter começado a trabalhar neste conceito.
A cidade do concelho de Vila Franca de Xira, que é ainda hoje muito centrada no automóvel e que tem um passado industrial, parece empenhada em fazer a transição para uma cidade onde o andar a pé ou mesmo de bicicleta possam assumir um papel mais preponderante, e onde a população possa encontrar satisfazer num raio de 15 minutos, sem carro, a maioria das suas necessidades quotidianas – viver, trabalhar, consumir, aceder a cuidados, educar e desfrutar. O conceito de “cidade de 15 minutos” não é algo propriamente novo – esta ideia de cidades de proximidade, com vários centros multifuncionais, existe há muito tempo, mas foi Carlos Moreno, professor na Universidade de Sorbonne (Paris) e consultor da Câmara de Paris, que recentemente a popularizou com um chavão simples de perceber.
15 minutos à boleia de dois privados
Fernando Paulo Ribeiro, Presidente da Câmara de Vila Franca de Xira, revelou na última reunião do Executivo Municipal antes das férias, a 27 de Julho, que Alverca tem em curso dois grandes projectos privados que irão melhorar as acessibilidades pedonais e cicláveis, e criar novas centralidades no município numa perspectiva de “cidade de 15 minutos”. Um deles é o da construção do primeiro supermercado Mercadona, que está a acontecer num terreno baldio entre a interface de transportes, onde os comboios e os autocarros se encontram, e a parte central da cidade. A construção do supermercado tem, como habitual, contrapartidas para a área urbana onde se insere; no caso de Alverca, “permitirá rearranjos importantes na organização rodoviária da zona envolvente com uma melhoria substancial também da circulação pedonal, nomeadamente do centro de Alverca para as escolas e do centro de Alverca para a estação”, disse Fernando Paulo Ribeiro.
Próximo do futuro Mercadona, está localizado o segundo investimento privado que promete dar uma nova cara à cidade de Alverca. Trata-se da Galeria Comercial de Alverca onde hoje está instalado um supermercado Auchan e que vai ser reabilitado com a diversificação das funções do complexo imobiliário, negligenciado nos últimos 30 anos. Além do supermercado Auchan já existente, o edifício ganhará uma loja Leroy Merlin, uma Loja de Cidadão, um ginásio, uma parafarmácia, uma área de recreio e desporto aberta a todos, e ainda mais de 100 unidades de habitação, através da conversão dos escritórios das antigas Torres de Alverca.
Todo este investimento – de 32 milhões de euros num quarteirão com uma área bruta de construção de 78 mil metros quadrados – estará a cargo da subsidiária portuguesa da empresa francesa Nhood, uma promotora imobiliária focada em edifícios de usos mistos que pertence à Família Mulliez, dona do Auchan e da Leroy Merlin. O edifício passará a ter 1800 m2 de jardins e coberturas vegetalizadas, 4650 m2 de zonas permeáveis e terá mais de 900 painéis fotovoltaicos. Para reforçar a ligação à cidade e promover a mobilidade suave, será feita a integração com a rede de ciclovias da cidade, nomeadamente com o prolongamento da ciclovia da EN10. O projecto irá criar mais de 100 postos de trabalho directos e prevê a criação de mais de 200 postos de trabalho indirectos.
O arranque das obras está marcado para este ano ainda, estando prevista a conclusão da primeira fase no Verão de 2024. A primeira fase contempla toda a área de retalho, ficando a reconversão das torres para a segunda fase, que arrancará em 2025. Para o Presidente da Câmara de Vila Franca de Xira, com este investimento, a Galeria Comercial de Alverca “acentuará a sua qualidade urbana, resolvendo-se um problema com décadas, e permitirá a interligação pedonal enquanto porta de entrada na cidade de Alverca”. Fernando Paulo Ribeiro disse que o projecto inscreve-se “no principio da cidade dos 15 minutos, cujo criador, Carlos Moreno, professor da Sorbonne em Paris, que já connosco reuniu”.
Alverca ao lado de Paris, Barcelona e Bucareste
Alverca ganhou ainda um “projecto europeu em rede para renovar a qualidade urbana de Alverca e as zonas verdes na entrada sul desta cidade, o que nos permitirá construir uma nova zona verde e desportiva na Malvarosa, junto à EN10, entre outros investimentos de mobilidade suave”, nomeadamente a ciclovia da N10. Este trabalho em rede junta Alverca às cidades de Paris (França), Barcelona (Espanha) e Bucareste (Roménia); as quatro cidades viram aprovada a sua candidatura a um programa da União Europeia, enquadrado na iniciativa Horizon Europe, para a renaturalização de áreas urbanas e a criação de espaços verdes resilientes e preparados para as alterações climáticas. “Alverca, Paris, Barcelona e Bucareste partilham, assim, uma nova visão de cidade mais verde, mais pedonal e mais resiliente”, descreveu Fernando Paulo Ribeiro, para quem este trabalho em rede e em contacto directo com a União Europeia é “cada vez mais importante”, “uma vez que os programas operacionais para a região de Lisboa [programas como o Lisboa2020 que dão acesso a fundos europeus] estão cada vez menos atractivos, quer do ponto de vista da quantidade financeira disponível, quer do ponto de vista do investimento que é co-financiado pela Europa”.
O programa europeu tem 40 milhões de euros para repartir pelas quatro cidades, durante três anos. Ao LPP, Carlos Moreno explicou que “o Presidente da Câmara de Vila Franca de Xira mostrou-se interessado em perceber o tópico da cidade dos 15 minutos e como poderia adaptar-se a Alverca, e propus-lhe fazer parte de um consórcio no âmbito deste programa europeu”. Moreno considera ser “um projecto muito ambicioso para criar proximidades verdes e prósperas”. O facto de Alverca ser uma cidade muito industrial e centrada no automóvel “é a parte interessante da sua participação no programa”, aponta o especialista, explicando que o que se propõe é “desenvolver um ambicioso ‘road map’ para as cidades transitarem de um modelo centrado no carro para um modelo de cidades mais vividas, cicláveis, policêntricas. Isso é possível com a aplicação da teoria dos 15 minutos”
Segundo Carlos Moreno, este programa junta cidades com parceiros privados e também com a academia. No caso de Alverca, o trabalho está a ser desenvolvido, como já referido, com o Instituto Superior Técnico e também com a Nhood, que é parceira, por seu lado, da Universidade de Sorbonne (Paris), onde Moreno trabalha. “Temos uma colaboração significante com a Nhood, uma empresa privada que gere sistemas urbanos e que estava interessada em desenvolver o conceito da cidade de 15 minutos”, detalhou.
Paralelamente, o município de Vila Franca de Xira encontra-se a terminar o seu caminho ribeirinho; estava a faltar um troço entre Alverca e o Sobralinho, obra que está agora a ser feita por 6,179 milhões de euros. “O caminho ribeirinho aproximará Alverca do rio, ainda por mais quando no limite sul do nosso caminho já lá chegou o caminho ribeirinho de Loures, que nos interligará de forma pedonal ao Parque das Nações, acentuando este nosso papel metropolitano de mobilidade suave”, disse o Presidente da Câmara. O novo troço tem uma extensão de 4,9 km, desenvolvendo-se numa área aproximada de 14,1 hectares.
Com a abertura do Percurso Ribeirinho de Loures, prevista para Setembro, e a conclusão dos passadiços e trilhos do lado de Vila Franca de Xira, passará a ser possível percorrer toda a margem norte do rio Tejo a pé ou de bicicleta, com a excepção de algumas descontinuidades que ainda existam. Recorde-se que Lisboa tem em marcha um projecto para resolver essas descontinuidades no seu território ribeirinho e que Oeiras quer concluir o seu Passeio Marítimo, nomeadamente prolongando a ciclovia e percurso pedonal entre Caxias e Cruz Quebrada, onde se ligará ao já existente Passeio Marítimo de Algés.
Poderá uma cidade como Alverca tornar-se numa “cidade de 15 minutos”? Como explicou Carlos Moreno na entrevista que o LPP publicou este ano, este conceito teórico pode adaptar-se a diferentes territórios de diferentes maneiras. Alverca tem um lado industrial muito vincado e muitos armazéns comerciais, num estilo urbano em que o automóvel é ainda rei. Ao adoptar este conceito teórico, a cidade do concelho de Vila Franca de Xira pode abrir espaço a novas oportunidades de deslocação pedonal e ciclável, promovendo uma transição modal e gradual do modelo centrado no carro.