Avenida da Liberdade: um triste regresso a um passado congestionado e poluído

Opinião.

A partir do momento em que se impediu o tráfego de atravessamento nas laterais, notou-se uma clara diminuição do tráfego e um consequente aumento da fruição nas zonas pedonais adjacentes, com implementação de quiosques e esplanadas.

Fotografia LPP

A proposta para retomar a continuidade dos sentidos de trânsito nas laterais da Avenida da Liberdade é um triste regresso a um passado congestionado e poluído. Os limites máximos de poluição exigidos a nível nacional e europeu são já frequentemente ultrapassados, contrariamente às boas práticas de outras capitais europeias. O futuro passa por encorajar a mobilidade sustentável, para evitar a vergonha de não cumprirmos as metas estabelecidas para 2030.

Tomámos conhecimento pela comunicação social de que existe uma nova proposta de quase meio milhão de euros em forma de pop-up/temporária para a Avenida da Liberdade, em Lisboa. Esta proposta pretende retomar a continuidade dos sentidos de trânsito nas laterais para os automóveis, o que acrescenta, na prática, novas vias de tráfego motorizado para aceder directamente da Praça do Marquês de Pombal à Baixa Pombalina. Trata-se de um triste regresso ao passado das vias laterais caóticas, congestionadas e poluídas. Não deveria ser preciso recordar que estamos a facilitar o acesso de carros a uma área histórica extremamente frágil, e que, também convém lembrar, a própria Câmara Municipal de Lisboa, na formalização da Baixa Pombalina a Património Mundial da UNESCO, realça a “excecionalidade desta zona histórica” e os contributos para a história da Humanidade.

Contrariamente às boas práticas em outras capitais europeias, numa altura em que a Avenida da Liberdade ultrapassa com frequência os limites máximos de poluição exigidos pela legislação nacional, e largamente os indicadores recomendados pela OMS, com esta proposta continuamos a facilitar a circulação do tráfego motorizado. Apesar de a situação actual da Avenida estar a precisar de ser melhorada, desde o momento que se impediu o tráfego de atravessamento nas laterais, notou-se uma clara diminuição do tráfego nas mesmas e um consequente aumento da fruição nas zonas pedonais adjacentes às laterais, incluindo a implementação de quiosques e esplanadas. Estas alterações propostas, de continuidade para veículos motorizados nas laterais, levarão a que a situação se agrave.

Segundo o biclaR (um trabalho do Instituto Superior Técnico para a TML – Transportes Metropolitanos de Lisboa), se, pelo contrário, fosse priorizado o transporte activo, de forma a que a bicicleta passasse a representar 4% das viagens na Avenida (meta da ENMAC para 2025), seriam evitadas 57 toneladas de CO2 anualmente (169 toneladas para 10% das viagens — meta da ENMAC para 2030), com benefícios socioeconómicos de 2,2 a 6,6 milhões de euros nos próximos 10 anos. Importante acrescentar que a CML tem como dever proteger a saúde dos Lisboetas e que a poluição do ar provoca cerca de 6 mil mortes prematuras a cada ano em Portugal.

Ficamos perplexos com a existência em 2023 de propostas à margem de qualquer participação pública e com promessas de “fluidez e redução da poluição” sem qualquer base científica ou indicadores mensuráveis. Deparamo-nos à data com décadas de projectos avulso, mal justificados e pouco transparentes. Lisboa, a única capital europeia sem plano de mobilidade, faz parte das 100 cidades participantes na Missão da UE Cidades com Impacto Neutro no Clima e Inteligentes até 2030. Ora 2030 é daqui a pouco mais de 6 anos, e não se vê de que forma Lisboa poderá atingir as metas com que se comprometeu face à inação a que vimos assistindo e às opções contrárias que vêm sendo tomadas. Por este andar, arriscamo-nos mesmo a passar a vergonha de chegar a 2030 com piores indicadores do que aqueles que tínhamos quando os referidos compromissos foram assinados.

Não se compreende, também, como um Executivo que tanto prometeu uma cidade para as pessoas, e que anuncia “ouvir as pessoas”, avança para uma obra na Avenida mais emblemática de Lisboa, sem qualquer tipo de participação pública ou divulgação do projecto, e privilegiando não as pessoas, mas os automóveis.

Apesar de esta inversão dos sentidos de trânsito nas laterais já estar prevista desde o mandato anterior, é importante recordar que nessa altura era enquadrada na implementação da ZER na Baixa, que incluía a restrição automóvel na faixa central no final da avenida e fortes restrições de tráfego na Baixa. Assim, ao contrário do que agora se verifica, a inversão então aprovada almejava uma drástica redução da circulação automóvel em direção à Baixa e, em consequência, dos níveis de poluição da Avenida.

Como não houve qualquer participação pública nem mesmo divulgação do projecto que agora se anuncia, resta à sociedade civil acreditar na informação que consta nos órgãos de comunicação social, sendo que, de acordo com a mesma, o projecto a implementar não tenciona sequer estabelecer  ligações entre as laterais 30+bici e a ciclovia existente na rotunda do Marquês, que desta forma apenas será acedida directamente através do passeio. Não sabemos também se a proposta inclui, ou não, medidas de acalmia de tráfego eficazes de forma a garantir a efetiva circulação abaixo dos 30 km/h e a segurança de todos. O aumento do tráfego motorizado nas laterais encorajará o uso dos passeios por bicicletas e trotinetes, colocando em perigo o crescente número de pessoas que anda a pé na Avenida.

A Avenida da Liberdade já há várias décadas que devia ter deixado de ser uma seta viária apontada ao coração histórico da cidade – alterações estratégicas, mesmo que temporárias, não podem ser um regresso ao passado. As alterações na Avenida da Liberdade deverão ser sempre no sentido de futuro – melhorar a qualidade de vida da cidade e a proteção de um património nacional e da humanidade.

Face ao exposto, a MUBi:

  • Opõe-se terminantemente às alterações preconizadas, as quais carecem de sentido estratégico e nos afastam de uma Lisboa saudável, sustentável e inclusiva.
  • Defende a manutenção dos sentidos actuais nas laterais da Avenida da Liberdade (melhorando o seu piso), de modo a minimizar a circulação automóvel com acesso à Baixa Pombalina e manter as reduzidas velocidades e volumes de tráfego que hoje ali se circulam. 
  • Reivindica a continuidade entre passeios e placas centrais (há muito prevista!), garantindo-se no espaço das actuais laterais apenas o acesso local em coexistência e, dada a relevância e hierarquia daquele eixo ciclável, espaços-canal segregados unidirecionais para bicicletas no eixo central.
  • Defende a implementação urgente de uma zona de tráfego condicionado na Baixa Pombalina, património nacional e da humanidade e a zona mais bem servida por transportes públicos de todo o país.
  • Apela ao diálogo, disponibilizando-se para colaborar na definição de um projecto adequado ao século XXI, que envolva as pessoas e privilegie a qualidade de vida de TODOS os cidadãos.

Num momento em que as preocupações deveriam ser com o ambiente, com a agradabilidade do espaço público e com o descongestionamento da zona histórica, eis que decidem exactamente o contrário. Colocar na Avenida da Liberdade mais carros é retroceder várias décadas.


Artigo originalmente publicado aqui.

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