2023 terminou sem ter sido particularmente chuvoso, ao contrário do final do ano anterior. As chuvas intensas que se fizeram sentir em Dezembro de 2022 colocaram o Plano Geral de Drenagem na agenda mediática de Lisboa, com destaque para os dois túneis que irão levar as águas pluviais das partes altas da cidade directamente para o Tejo, prevenindo assim inundações nas zonas baixas. Nas vésperas do início da escavação do maior desses túneis, o LPP visitou o estaleiro da obra em Campolide e conheceu a tuneladora “Oli”.

Começa esta semana a ser escavado, em Campolide, o grande túnel de drenagem de Lisboa. Com uma extensão de cerca de cinco quilómetros, vai desembocar em Santa Apolónia, visando descarregar directamente no rio Tejo as águas pluviais colectadas na zona alta da cidade, junto a Monsanto, e ao longo do percurso. A principal função do túnel será evitar que essas águas da chuva cheguem às zonas baixas, causando cheias.
A construção deste túnel vai ser realizada com uma grande máquina tuneladora, carinhosamente baptizada de “Oli”. Foi fabricada na China e transportada às peças até ao estaleiro da obra na Quinta do Zé Pinto, em Campolide, onde está a ser montada. Quando o LPP a visitou, no final de Dezembro, a Oli ainda não estava completa. A tuneladora é composta por vários módulos, com diferentes funções, e a sua montagem avança conforme o processo de escavação prosseguir – no total, a máquina terá 130 metros de comprimento.



A escavação deste extenso túnel de drenagem representa uma das maiores empreitadas de engenharia já conduzidas pela Câmara de Lisboa, e também o principal marco do Plano Geral de Drenagem de Lisboa (PGDL). Este plano abrangente visa a prevenção de cheias e, acima de tudo, a adaptação da cidade para as alterações climáticas, considerando a previsão de ocorrência mais frequente de eventos de precipitação intensa, semelhantes aos registados em Dezembro de 2022, que acarretaram severas consequências em Lisboa.
Além do túnel que se estende de Monsanto/Campolide até Santa Apolónia, está planeada a construção de outro túnel mais curto, ligando Chelas ao Beato. Embora possua apenas um quilómetros de extensão, este segundo túnel desempenhará a mesma função crucial: conduzir as águas pluviais de uma zona elevada da cidade, Chelas, até o rio Tejo. Dado que há apenas uma tuneladora disponível, a escavação dos dois túneis seguirá uma abordagem sequencial: primeiro, será escavado o túnel Monsanto-Santa Apolónia, e posteriormente, a tuneladora será desmontada e transportada até ao Beato para a abertura do segundo túnel (que será feito no sentido inverso, da zona ribeirinha em direcção a Chelas).

A visita do LPP ao estaleiro da obra em Campolide aconteceu no âmbito da primeira conferência anual do Open House Europe. O LPP e um grupo de arquitectos de vários países foram acompanhados pela equipa do Plano Geral de Drenagem de Lisboa (PGDL), coordenada por José Silva Ferreira. Nesse dia, um sábado à tarde, a tuneladora estava parada. Não por ser sábado mas porque a escavação a sério só vai começar esta semana e, quando isso acontecer, a máquina não vai parar um único dia, nem ao fim-de-semana. Será um trabalho intenso e contínuo, 24/7, até todo o túnel estar escavado. Em média, serão feitos 12 metros por dia. Portanto, a Oli deverá levar aproximadamente 420 dias (um ano e dois meses) completar o túnel de cinco quilómetros entre Monsanto/Campolide e Santa Apolónia.






Na Quinta do Zé Pinto, em Campolide, existe um grande poço a céu aberto, do tamanho de um campo de futebol. Lá no fundo, encontramos a Oli, com a sua “cabeça” à porta do futuro túnel, pronta para começar a escavação – até ao momento, foram perfurados apenas quatro metros de túnel para propósito de teste. No poço, vêem-se também as várias peças curvilíneas de betão que a tuneladora vai encaixar umas nas outras para dar forma ao futuro túnel. Ao todo, o serão montados 3,5 mil anéis de betão, utilizando nove mil dessas peças.
Visível no poço está também o famoso caneiro de Alcântara, por onde corre não só a ribeira de Alcântara – que foi enterrada em 1975 para permitir a posterior urbanização do Vale de Alcântara – mas também alguns esgotos. Actualmente, esse caneiro desagua no Tejo, fazendo uma paragem na ETAR de Alcântara, mas a capacidade do túnel depressa se esgota quando chove muito. Por isso, o novo túnel de drenagem vai não só ter a nova função de responder aos novos desafios climáticos como retirar capacidade ao velhinho caneiro de Alcântara; o objectivo é que as águas que chegam a Lisboa através da designada ribeira de Alcântara, oriundas da Amadora, possam seguir pelo novo túnel até ao Tejo, libertando o velho caneiro para responder mais localmente à pluviosidade e aos esgotos domésticos.








O túnel que a Oli agora irá construir terá, além dos cinco quilómetros de extensão, cerca de 5,5 metros de diâmetro interno. Iniciando-se em Campolide, seguirá pela Avenida da Liberdade, pela Rua Santa Marta e pela Avenida Almirante Reis, onde já existem estaleiros de obra a decorrer. Nestes três pontos principais, haverá colecta de águas pluviais.
Mas o principal ponto de recolha será em Campolide, junto a Monsanto, onde será construída uma das várias bacias anti-poluição associadas aos novos túneis. Estas bacias anti-poluição irão armazenar as primeiras águas da chuva – as mais poluídas por trazerem os resíduos depositados na superfície dos pavimentos – e fazer um tratamento prévio de decantação, conduzindo-as posteriormente às ETARs. Desta forma, será possível aumentar os volumes de água já tratada que são conduzidos ao Tejo, minimizando a poluição. Este ciclo hídrico entre as bacias e as ETARs também vai permitir a reutilização de alguma água da chuva na cidade, por exemplo, na rega de jardins ou na lavagem de pavimentos.



A construção dos dois túneis de drenagem é uma “obra invisível” que irá preparar Lisboa para o futuro em que se prevêem chuvas mais intensas. A tuneladora estará a trabalhar em contínuo, obrigando à permanência constante de 10 trabalhadores, que rodarão em turnos; parte desta equipa estará na Oli e outra parte no exterior. À medida que a escavadora avançar para o interior do futuro túnel, os módulos em falta serão progressivamente adicionados até que toda a extensão da máquina estiver completa, uma vez que actualmente os módulos não cabem todos no poço. A Oli inclui uma cabine para operação da máquina, um gerador e ponto de transformação. Além disso, possui vários outras secções especializadas, como uma dedicada aos óleos, indispensável para a lubrificação contínua da máquina.
A “cabeça” da tuneladora vai estar a esburacar, construindo o túnel através da colocação das já referidas peças curvilíneas de betão, que têm 30 centímetros de espessura e 1,8 metros de largura. Com a perfuração do túnel, a Oli vai deitar cá para fora terras e pedras trituradas – solos que são considerados contaminados pelos padrões da Agência Europeia do Ambiente (APA) por terem muito crómio e chumbo, e que terão de ser, por isso, encaminhados para incineração em camiões. Debaixo da terra, a tuneladora escavará a uma profundidade média de 70 metros, seguindo coordenadas GPS para “saber” o caminho.
O Plano Geral de Drenagem de Lisboa (PGDL) resulta de um investimento total de cerca de 250 milhões de euros, com este túnel entre Monsanto/Campolide e Santa Apolónia a representar 130 milhões desse bolo. O início da escavação esteve previsto para o início de 2023, mas atrasou vários meses devido não só a achados arqueológicos no estaleiro de Campolide, mas também a ajustes que tiveram de ser feitos devido a nova legislação dos solos. O túnel terá a capacidade máxima de lidar com um volume de água de 180 metros cúbicos por segundo, uma situação extrema que pode ocorrer aproximadamente uma vez a cada 100 anos. Diante dessa eventualidade, Lisboa estará devidamente preparada, o que implica estar pronta para enfrentar também eventos de precipitação menos intensos.