Nos cinco anos do Navegante, houve números sobre o presente e ideias para o futuro

No aniversário do passe intermodal que uniu a área metropolitana de Lisboa, foi feito um balanço dos últimos cinco anos, falou-se de dificuldades actuais e delinearam-se próximos passos a serem tomados.

Jornadas Navegante (fotografia LPP)

Foi a 1 de Abril de 2019 que passou a existir um único passe de transportes na área metropolitana de Lisboa (amL) a permitir viajar em todos os operadores e em todo o território. De Mafra a Setúbal, de Cascais a Vila Franca de Xira, de Almada a Alcochete, é com o Navegante que se viaja de autocarro, comboio, metro, barco… e até nas bicicletas GIRA. Cinco anos volvidos, há mais de 800 mil passes carregados por mês na amL. E o Navegante tornou-se mais que um tarifário e que um cartão. Passou a ser sinónimo de todo o sistema tecnológico de bilhética que dá suporte às várias empresas de transporte, e também o nome a uma série de produtos e serviços dirigidos aos passageiros, do portal online de informação aos balcões presenciais de atendimento, passando pela futura app.

No quinto aniversário do Navegante, a TML, responsável pelo Navegante, decidiu juntar decisores políticos, operadores e outros actores com papel na mobilidade metropolitana de Lisboa, num evento de dois dias que foi, pela primeira vez, aberto ao público em geral. As Jornadas Navegante decorreram no Palácio de Queluz, em Sintra, iniciou-se com a apresentação de uma série de números do Navegante, a cargo de Faustino Gomes, Presidente do Conselho de Administração da TML. “O Navegante é mais que um cartão. É um produto, é uma lógica, é uma forma de servir das pessoas.”

Passe Metropolitano representa 65%, Municipais apenas 10%

Mas referindo-se à parte mais conhecida do Navegante, o cartão, Faustino começou por lembrar a complexidade do sistema de bilhética em 2018, antes do Navegante, quando havia mais de sete mil passes, 87% dos quais a custar mais de 40 € por mês, e quando apenas 30% do território metropolitano de Lisboa estava coberto pelo passe intermodal de então, o L123.

Hoje, os passes Navegante chegam a toda a área metropolitana de Lisboa (amL) e representam 95% dos passes carregados na amL (o Navegante substituiu a maioria dos sete mil passes pré-existentes, incluindo o L123, tendo sido mantidos apenas os passes de custo inferior à nova oferta). “Antigamente, havia passes que eram associados a determinados percursos e, se as pessoas quisessem mais mobilidade, tinham de pagar mais”, recordou o administrador, referindo que o tarifário Navegante não sofreu aumentos desde o lançamento. Mas, apontou, “o Navegante é muito mais importante que o custo: passámos a tratar o território de forma igual e integrada.”

Slide da apresentação sobre os 5 anos do Navegante (captura de ecrã LPP, via YouTube)

O lançamento do Navegante em 2019 resultou, no primeiro ano, num aumento de 20% no número de passes carregados, que passaram de menos de sete milhões em 2018 para cerca de oito milhões. A pandemia teve impacto negativo na procura, sendo que só em 2022 houve uma recuperação. “Em 2022, recuperamos os número de 2019. Tivémos logo um crescimento em relação a 2021 de mais de 29%. E os números de 2023 mantiveram esta tendência de crescimento”, explicou o Presidente da TML. No ano passado, o carregamento de passes superou os nove milhões e, pela primeira vez, aproxima-se do marco dos 10 milhões. Isso significa um aumento de 42% em relação a 2018, o último ano sem Navegante, e de 17% comparando com 2022. Foi também em 2023 que se registou o mês com mais carregamentos de sempre: Novembro, com 841 mil Navegantes carregados.

Slide da apresentação sobre os 5 anos do Navegante (captura de ecrã LPP, via YouTube)

O passe Navegante Metropolitano (de 40 €/mês) é o mais vendido de todas as tipologias disponíveis, representando 65% de todos os 810 mil carregamentos em Fevereiro de 2024; a tipologia Municipal (de 30 €/mês), que dá acesso a toda a rede de transportes de um município à escolha, representa apenas 10%, sendo que é em Lisboa onde este passe é mais popular. 77% de todos os passes Municipais são de Lisboa, fruto, talvez, da atractividade da capital em termos de emprego, serviços, comércio e cultura e do consequente fluxo unidireccional de passageiros.

Mas pode haver outro motivo: “Isto também é muito fruto da política de gratuitidade que Lisboa seguiu e que levou a que as pessoas ficassem dentro do concelho”, apontou Faustino, revelando inicialmente chegou a ser pensado lançar apenas a modalidade metropolitana do Navegante – ou seja, um só passe para toda a amL. “O Navegante Metropolitano já representa 65% do total dos passes. Tendencialmente, caminhamos para a lógica de um passe que serve toda a região e não de um passe que serve só para alguns municípios”, explicou Faustino Gomes. “O Navegante Metropolitano é o passe de que realmente as pessoas necessitam para a sua mobilidade.”

Slide da apresentação sobre os 5 anos do Navegante (captura de ecrã LPP, via YouTube)
Slide da apresentação sobre os 5 anos do Navegante (captura de ecrã LPP, via YouTube)

O Presidente do Conselho de Administração da TML realçou que os carregamentos tendem agora a ser mais constantes ao longo do ano, com excepcção dos meses de Julho e Agosto, que continuam a representar quebras. Mas, “no passado, tínhamos mais picos consoante haver mais aulas ou menos aulas num mês. Agora as pessoas preferem comprar o passe mesmo nos meses em que vão usar menos”, comentou. Olhando para os descontos, os maiores de 65 anos e os Antigos Combatentes, “que na prática também são passes metropolitanos”, representam 17% dos carregamentos; e as famílias apenas 3%. “Os passes Família nunca tiveram grande adesão e agora com a gratuitidade dos jovens deve baixar”, prevê o responsável. O Navegante Família permite a agregados familiares de qualquer dimensão pagar o máximo de dois passes Navegante por mês, seja na forma Municipal (despesa máxima de 60 €/mês), seja na Metropolitana (despesa máxima de 80 €/mês).

O que se segue

Um cacilheiro em Cacilhas (fotografia LPP)

Sobre o futuro, Faustino Gomes não tem dúvidas de que “há novos títulos que têm de ser criados” porque há procura em alguns segmentos de passageiros para os quais ainda não foram desenvolvidas respostas. “É fundamental criarmos títulos multimodais de utilização diária ou de conjuntos de dias”, sendo que “teremos de ver se esses títulos poderão ser de dias consecutivos ou intercalados”. Para estas “novas abordagens” é preciso fazer estudos, nomeadamente para perceber novos comportamentos, como as “procuras associadas ao teletrabalho”.

O Presidente da TML destacou ainda a importância de “mais e melhor informação em tempo real” para que “o passageiro consiga acompanhar todo o seu percurso”. “Cada um dos operadores tem uma informação e alguns de nós já tem informação em tempo real com qualidade mas virada para dentro, para nós. Mas os passageiros que queremos servir não são da Carris, nem da Carris Metropolitana, da Fertagus ou da Transtejo. E, por isso, a informação tem de ser de todos, tem de ser multimodal”, referiu, a propósito de algumas empresas de transporte manterem horários em tempo reais nas suas aplicações mas sem disponibilizarem esses dados de forma aberta e multiplataforma.

Faustino Gomes referiu ainda a desmaterialização de processos, cartões e serviços, dando como exemplos o lançamento da app do Navegante para telemóveis – que vai permitir o carregamento de passes “já em Abril, senão em Maio” e futuramente substituir o cartão físico –, a introdução de outras formas de validação como a utilização do cartão bancário (a Carris Metropolitana irá ter um piloto este ano e a Carris contar lançar essa possibilidade até ao Verão, seguindo-se à Fertagus e ao Metro de Lisboa), e projectos como o 1bilhete.pt, a cargo do Instituto de Mobilidade e Transportes (IMT).

Slide da apresentação sobre os 5 anos do Navegante (captura de ecrã LPP, via YouTube)

“Quando construímos estas ferramentas, construimo-las não só para uso da TML e da Carris Metropolitana, mas para que todos os operadores do sistema de transportes da área metropolitana de Lisboa possam usar”, lembrou Faustino, apontando que, mesmo que uns operadores estejam mais adiantados que outros no desenvolvimento de soluções digitais, é importante lembrarmo-nos de que “no final trabalhamos para as mesmas pessoas” e que é fundamental “deixar pontes para que os sistemas sejam interoperáveis e para que para as pessoas a imagem seja única”. Outro aspecto central do futuro do Navegante é a ligação a novos modos de mobilidade, como o transporte flexível (autocarros a pedido) e a bicicleta, à semelhança do que já aconteceu com a GIRA, em Lisboa.

Por seu lado, para Carlos Humberto Delgado, Primeiro-Secretário da Área Metropolitana de Lisboa (AML), entidade que tutela a TML, “o Navegante ainda é uma medida incompleta” e ainda há vários desafios, muitos dos quais transcendem as competências metropolitanas, dependendo dos municípios e do Governo. Para o responsável, é fundamental reforçar o transporte público pesado, ofertas de transporte público em vias dedicadas (como o MTS ou a futura Linha Violeta do Metro) e corredores BUS, mas também melhorar os interfaces de transportes e “caminhar para uma imagem única de abrigos de passageiros” nas paragens dos autocarros. Defendeu a passagem do transporte fluvial para a alçada da AML e da TML e deixou um aviso: “as medidas avulso devem ser evitadas”.

Navegante foi um desafio para a Fertagus

Comboios da Fertagus em Coina (fotografia LPP)

O primeiro dia das Jornadas Navegante terminou com um debate que juntou as administrações da Carris, Fertagus e TTSL, e que serviu para fazer um balanço dos primeiros cinco anos do Navegante e apresentar perspectivas de futuro. “Quando se colocou a hipótese de incluir a Fertagus no passe Navegante, ficámos um bocadinho em choque”, desabafou Cristina Dourado, da Fertagus, explicando que a transportadora ferroviária havia optado por ficar de fora do anterior L123 por não ser sustentável financeiramente. “Quando respondemos ao concurso [de concessão], não integrámos o passe intermodal não porque não quiséssemos, mas porque, na altura, o passe intermodal tinha problemas de financiamento e nenhum operador queria ouvir falar de mais um operador a entrar no passe e a receber qualquer coisinha”, esclareceu a responsável. “Por isso, tivemos de criar passes alternativos”, combinando a Fertagus com as outras redes de transporte. “Tivemos de criar um passe com a Carris, um passe com o Metro, um com a Carris mais Metro, um passe com a Sulfertagus, um passe com a TST… Um passe com toda a gente e depois todos combinados. Os operadores pediam o preço que queriam para juntar ao passe da Fertagus e os passes eram, então, um somatório que cada operador queria para a sua rede. Eram valores que achavam razoável.

Mas, para a Fertagus, o passe combinado mais importante era aquele que tinham com o Metro, porque “a maior parte das pessoas da Margem Sul o que queriam usar em Lisboa era o Metro, então criámos um passe competitivo com o intermodal e o resto era o que se conseguisse”. Em 2018, o passe combinado Fertagus+Metro custava 54 euros da estação do Pragal para Lisboa, e 149 euros de Setúbal para a capital. Cristina aponta que “quando chega o Navegante, já tínhamos um período de ponta completamente saturado, mas antes, com os nossos passes, conseguíamos gerir a capacidade que tínhamos com o preço porque o preço serve para condicionar a procura”.

O Navegante levou a mudanças de comportamentos: mais passageiros, mais movimento nas estações e mais procura fora das horas de ponta. Se antes do Navegante a Fertagus 61 mil passageiros por dia na travessia da ponte, passou para 81 mil em Novembro de 2019, um crescimento de 33%. “Isto é na travessia da ponte, que era onde fazíamos a medição”, reforçou. Entre Novembro de 2019 e o mês homólogo em 2023, o crescimento foi de 9%. “Estamos hoje acima de 2019 e crescemos ao todo 44% no movimento das pessoas que vão no interior do comboio, na travessia da ponte”, acrescentou. Entre 2019 e 2023, o movimento das estações também aumentou – 64% na globalidade da linha, que liga Lisboa a Setúbal. As estações do Pragal e Corroios, “que são as que estão mais próximo de Lisboa e estão mais carregadas”, cresceram 41%, Foros da Amora 71%, Fogueteiro 73%, Coina e Penalva 93%, Venda do Alcaide e Palmela 150% e Setúbal 110%. “Portanto, a procura cresce à medida que nos vamos afastando de Lisboa.” A Fertagus diz estar a estudar novos horários para responder aos novos desafios, como 18 em 18 minutos em alguns horários, e também respostas para o fim-de-semana, onde a procura cresceu 120%. Nos dias úteis, fora das horas de ponta, a procura cresceu 92% e “à noite, depois das 20h30, aumentou 200%”. Os dados são referentes à travessia da ponte, que é onde a Fertagus acompanha o movimento de passageiros no interior dos comboios.

Olhando para o sentido Pragal-Lisboa, a hora de ponte da manhã no Pragal era anteriormente ao Navegante das 8 às 9 e passou para o período das 7 às 8. “Das 6h30 às 8 horas, crescemos 36%. Das 5h30 às 6h30, 133%”, adiantou, acrescentando que das 8 às 9 o aumento foi de apenas 15%. Na hora de ponta da tarde, a diferença foi de 34%. No sentido inverso, Lisboa-Pragal, a procura das 5h30 às 7h30 “quadriplicou”, referiu, dizendo que “não são muitas pessoas, mas passou a haver um movimento intenso nos primeiros comboios da manhã”. “O período de ponta da tarde cresceu 34%. E fora da hora de ponta 80%”, acrescentou. Para Cristina Dourado, “era impensável ficarmos de fora do Navegante, os nossos clientes não iriam compreender que não déssemos esse passo”. A administradora explicou que o Navegante obrigou a Fertagus a fazer algumas alterações, como tirar 88 lugares sentados em cada comboio para facilitar as entradas e saídas (referiu que, no início, começou a haver atrasos devido às acumulações de passageiros), colocar maquinistas extras nas estações terminais para facilitar a troca de turnos, e ainda um “investimento ao nível da manutenção para não termos comboios parados”. Esse investimento tem passado também por “substituir a tecnologia obsoleta dos comboios para não estarmos muito tempo á espera de peças”. Por outro lado, “já conseguimos aumentar os nossos comboios nas franjas, fora das horas de ponta, na manhã e na tarde. Não conseguimos fazer mais nada”, disse, pedindo ao Estado mais comboios para a operação.

A administradora da Fertagus disse ter a percepção de que “em termos de qualidade de serviço não estamos a dar a mesma qualidade de serviço que dávamos no passado”, mas que “os nossos clientes não acham isto”, mencionando os inquéritos de satisfação realizados com notas positivas para a Fertagus. Para Cristina Dourado, a contratação de maquinistas e de outros recursos humanos “porque as pessoas gostam de comboios e, em termos remuneratórios, a Fertagus paga um pouco acima dos outros operadores”. Mais dificuldade têm tido as empresas rodoviárias do Grupo Barraqueiro, onde está inserida a Fertagus, como é o caso da TST, da Viação Alvorada e da Rodoviária de Lisboa, que asseguram três das quatro áreas de operação da Carris Metropolitana.

Um autocarro e um eléctrico da Carris (fotografia LPP)

A Carris Metropolitana, através dos seus operadores, viu-se forçada a recorrer a mercados externos, como o brasileiro ou o cabo-verdiano, para suprimir as falhas urgentes ao nível de motoristas, no arranque da operação. Em Lisboa, a Carris não sentiu necessidade da mesma estratégia, tendo lançado uma campanha de bónus a candidatos que indiquem outro candidato que também queira trabalhar na empresa. “O dinheiro continua a ser um estímulo importante”, reconheceu Pedro Bogas, adiantando que a campanha foi bem sucedida e permitiu à Carris contratar os 110 novos tripulantes que pretendia em 2023. “Resolvemos a situação no ano passado”, concluiu Bogas. “Tornou-se mais difícil fazer o recrutamento só nacional, mas ainda não nos foi necessário recrutar lá fora.”

Menos sorte tem tido a TTSL, cuja folha salarial depende de decisão governativa e também das tabelas públicas. A transportadora fluvial revela dificuldades em contratar “não tanto marinheiros, que passado uns anos conseguem chegar a mestres”, mas maquinistas, que é uma “carreira muito específica”. “A Transtejo teve em 2022 uma autorização especial para contratar 11 maquinistas, mas não conseguimos até hoje encontrar essas pessoas”, explicou Alexandra Ferreira de Carvalho. A explicação da actual administradora da TTSL é clara: por um lado, “as empresas privadas, lúdicas, que operam no Tejo, têm condições remuneratórias mais vantajosas que aquelas que a Transtejo oferece”; por outro, “há muita procura e pouca oferta neste mercado”.

Alexandra também admitiu dificuldades em contratar técnicos superiores e “novas pessoas para a manutenção”. “Estamos a contratar eletromecânicos por causa da nova frota eléctrica, e não estamos a conseguir”, reiterando a mesma causa: “é preciso tornar o sector mais atractivo e passa pelas condições remuneratórias”. Apesar das dificuldades, a TTSL prevê “no primeiro semestre, em Maio/Junho” ter a operação totalmente eléctrica na ligação do Seixal, utilizando as três embarcações da nova frota que já recebeu, incluindo a Cegonha-Branca. Por seu lado, Pedro Bogas, da Carris, lembrou os projectos já anunciados pela operadora e pela Câmara de Lisboa, nomeadamente o prolongamento do eléctrico 15, de um lado, ao Jamor, em Oeiras, e do outro a Santa Apolónia, numa primeira fase, e ao Parque Tejo, numa fase posterior; e o projecto do eléctrico na Alta de Lisboa. O responsável referiu também os investimentos na renovação da frota de autocarros, importante para dar uma boa experiência aos passageiros e fidelizar no transporte público.

No segundo dia das Jornadas Navegante, falou-se do novo papel das Áreas Metropolitanas e das Comunidades Intermunicipais na mobilidade, do desafio do transporte colectivo em sítio próprio, do planeamento de infraestruturas e de tendências e desafios futuros.

Jornadas Navegante (fotografia LPP)
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