EMEL sugere que principal ciclovia entre Benfica e Amadora passe por um beco

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Foi lanรงado um concurso pรบblico para o desenho da principal ligaรงรฃo ciclรกvel entre Benfica e a Amadora. A proposta preliminar coloca a ciclovia a passar pelas traseiras da Rua da Venezuela, escondida entre os prรฉdios e a linha de comboio. “Muitas vezes, ao querer colocar a infraestrutura para bicicletas onde ela nรฃo retire espaรงo aos automรณveis, atiramos com esses mesmos utilizadores para zonas pouco movimentadas e potencialmente menos seguras”, aponta Laura Alves, dirigente da MUBi.

Traseiras da Rua da Venezuela, onde se sugere passar a Ciclovia das Portas de Benfica (fotografia LPP)

Foi lanรงado o concurso pรบblico para projectar a Ciclovia das Portas de Benfica, que ligarรก Lisboa ร  Amadora. O programa preliminar, disponรญvel no procedimento pรบblico, oferece directrizes da EMEL aos arquitectos que vรฃo ser responsรกveis pelo desenho detalhado. Uma das sugestรตes รฉ que a ciclovia passe pelas traseiras dos prรฉdios da Rua da Venezuela, prรณximo ร  linha de comboio, levantando preocupaรงรตes sobre a seguranรงa e o conforto da futura infraestrutura.

A Ciclovia das Portas de Benfica serรก um troรงo de mais de 2 km entre a Rua da Venezuela e a Rotunda das Portas de Benfica, onde ligarรก ร  ciclovia que a Cรขmara da Amadora vai construir na Avenida Elias Garcia. Esta nova ciclovia serรก ligada ร  ciclovia que jรก segue para Sete Rios, pela Rua Conde de Almoster, e ร  que vai para o Fonte Nova, bem como ร  futura ciclovia da Estrada do Calhariz (que, por seu lado, ligarรก ร  ciclovia do Parque de Campismo e a Monsanto).

De acordo com a proposta preliminar da EMEL, a Ciclovia das Portas de Benfica terรก trรชs troรงos:

  • um troรงo ciclopedonal junto ร  estaรงรฃo ferroviรกria de Benfica e nas traseiras dos prรฉdios da Rua da Venezuela. Nestas traseiras, existe hoje um percurso pedonal construรญdo pela Junta de Freguesia de Benfica;
  • um troรงo 30+bici, isto รฉ, partilhado com automรณveis, junto ao bairro de Santa Cruz, onde o espaรงo rodoviรกrio รฉ mais limitado e jรก existe sinalizaรงรฃo de velocidade mรกxima 30 km/h;
  • um troรงo bidireccional ao longo da Rua da Casquilha, seguindo depois pela parte final da Estrada de Benfica atรฉ ร  rotunda das Portas de Benfica, onde ligarรก ร  futura ciclovia da Amadora.

“O traรงado da ciclovia terรก de se adaptar a vรกrias tipologias existentes, em construรงรฃo e em projeto, de modo a interligar os vรกrios acontecimentos ao longo da zona de intervenรงรฃo”, aponta a EMEL, referindo que o objectivo desta Ciclovia das Portas de Benfica รฉ “materializar a ligaรงรฃo ciclรกvel intermunicipal entre Lisboa e a Amadora”. Pretende-se “uma rede ciclรกvel bem projectada” e tambรฉm “criar mais seguranรงa, melhor mobilidade e maior conforto, (…) em busca de um espaรงo pรบblico cada vez mais acolhedor e inclusivo, amigo da populaรงรฃo que nele reside, trabalha ou, simplesmente, visita”.

Apenas uma proposta preliminar

Note-se que o programa preliminar nรฃo รฉ o desenho final do percurso ciclรกvel, mas uma orientaรงรฃo da EMEL para a equipa de projectistas que quer contratar atravรฉs do concurso pรบblico lanรงado. Os arquitectos terรฃo de ter em conta uma estimativa orรงamental da empreitada no valor de 400 mil euros. No entanto, esse programa dรก uma perspectiva geral do que pretende desenvolver.

Portas de Benfica (fotografia LPP)

A Ciclovia das Portas de Benfica serรก uma importante via ciclรกvel entre os concelhos de Lisboa e Amadora. Alรฉm desta ligaรงรฃo, sรณ existirรก mais uma ciclovia a ligar estes dois municรญpios, serรก construรญda na Pontinha e conectarรก tambรฉm Odivelas. A Ciclovia das Portas de Benfica serรก a melhor forma de ligar Benfica a bairros como a Damaia e a Reboleira, enquanto que a ciclovia na zona da Pontinha servirรก melhor bairros como Alfornelos. Existe potencial nestas duas ligaรงรตes intermunicipais, pois muitas deslocaรงรตes diรกrias ocorrem entre a Amadora e a capital.

Essas ciclovias devem ser trajectos directos, rรกpidos e acessรญveis a todos. A auditoria ร  rede ciclรกvel, encomendada pela Cรขmara de Lisboa ร  consultora Copenhagenize, destaca o โ€œgrande potencialโ€ destas rotas de longa distรขncia, sugerindo que “cada itinerรกrio de longa distรขncia pode ser dotado de uma identidade visual prรณpria, o que pode ajudar a atrair utilizadores de bairros que nรฃo conheciam previamente as ligaรงรตes โ€“ a atractividade estรก aqui ligada ร  continuidade/intuitividade”. Os auditores sรฃo claros tambรฉm: as infraestruturas ciclรกveis devem passar “por ambientes agradรกveis” e ser “concebida, mobilada e iluminada tendo em conta a seguranรงa pessoal para tornar a bicicleta socialmente segura e atractiva”. No relatรณrio, รฉ referido um mau exemplo disto mesmo:

Excerto do relatรณrio da auditoria ร  rede ciclรกvel de Lisboa (via CML/Copenhagenize)

Nรฃo sรณ a possibilidade de uma parte da designada Ciclovia das Portas de Benfica vir a ser partilhada com automรณveis (30+bici) pode comprometer a atractividade do percurso, como tambรฉm existe um problema mais crรญtico: uma outra parte da ciclovia passar pelas traseiras dos prรฉdios da Rua da Venezuela, por um corredor estreito entre edifรญcios altos e a linha de comboio. Nessa รกrea, hรก hoje um percurso pedonal que foi construรญdo recentemente pela Junta de Freguesia de Benfica mas que รฉ pouco utilizado โ€“ principalmente de noite, em que nรฃo existe iluminaรงรฃo.

“Pior a emenda do que o soneto”

Colocar as bicicletas a passar nas traseiras dos prรฉdios, num beco estreito entre prรฉdios e a linha ferroviรกria, รฉ criar um percurso onde nem todas as pessoas se sentirรฃo confortรกveis para andar. E nรฃo se pode dizer que nรฃo hรก espaรงo na Rua da Venezuela para introduzir uma pista ciclรกvel bidireccional. Seja retirando uma das quatro vias de circulaรงรฃo, seja reduzindo o estacionamento, a ciclovia poderia passar por uma zona visรญvel, onde existe comรฉrcio e onde as pessoas naturalmente circulam. “Muitas vezes, ao querer colocar a infraestrutura para bicicletas onde ela nรฃo retire espaรงo aos automรณveis โ€“ achando atรฉ que estamos a fazer um favor aos utilizadores de bicicleta, pois retiramo-los das estradas onde o potencial de sinistralidade rodoviรกria รฉ mais elevado โ€“, atiramos com esses mesmos utilizadores para zonas pouco movimentadas e potencialmente menos seguras, onde a acumulaรงรฃo de lixo, detritos ou outros riscos para a seguranรงa fรญsica acabam por fazer com que seja pior a emenda do que o soneto, aponta Laura Alves, ciclista e membro da direcรงรฃo da MUBi, associaรงรฃo que defende a utilizaรงรฃo quotidiana da bicicleta.

Nas traseiras da Rua da Venezuela, hรก lixo espalhado entre as ervas secas e algum odor a urina, especialmente nas proximidades da estaรงรฃo de comboio e da praรงa de tรกxis. ร€ noite, o percurso pedonal fica completamente ร s escuras, um problema que poderia ser parcialmente resolvido na obra da ciclovia com a instalaรงรฃo de iluminaรงรฃo adequada. No entanto, mesmo com luz, o trajecto continuaria a parecer longo e fechado, dificultando uma fuga rรกpida em caso de perigo.

“Consideremos um cenรกrio em que esta futura ciclovia tem pouca iluminaรงรฃo ร  noite, em que existem รขngulos cegos ou impossibilidade de sair rapidamente da ciclovia (um corredor confinado com linha do comboio de um lado e muro de prรฉdios do outro) no caso de a pessoa se sentir insegura por alguma razรฃo: consideramos que este รฉ um caminho que gostarรญamos de percorrer ou atรฉ mesmo permitir que a nossa filha de 15 anos utilizasse sozinha no seu regresso a casa de bicicleta?”, questiona Laura. “Uma via para bicicletas construรญda nas traseiras de prรฉdios, ao invรฉs de numa rua principal, necessitarรก de um projecto e um trabalho no terreno apurado de forma a que mulheres, jovens e crianรงas se sintam confortรกveis a utilizรก-la, e que essa opรงรฃo seja manifestamente mais segura e apetecรญvel do que a estrada principal, junto dos automรณveis โ€“ onde a existรชncia de comรฉrcio e vida local sรฃo, por si sรณ, garante de percepรงรฃo de seguranรงa e conforto.”

Rua da Venezuela (fotografia LPP)

Laura tem sido uma das vozes mais activas dentro da MUBi a puxar pelas questรตes de gรฉnero na utilizaรงรฃo da bicicleta, e defende que cidades onde mais mulheres utilizam a bicicleta sรฃo, geralmente, cidades mais seguras para todas as pessoas, independentemente do gรฉnero. Em 2022, com o apoio da iniciativa VoxPop, liderada pela EMEL, a MUBi lanรงou em 2022 o projecto +MAP โ€“ Mais Mulheres a Pedalar, visando abordar as necessidades especรญficas das mulheres no uso da bicicleta como meio de transporte, uma vez que a infraestrutura e o espaรงo pรบblico muitas vezes se revelam inadequados e insensรญveis ร s suas necessidades. “Ao construir infraestrutura para usar a bicicleta como modo de transporte, e pensando especificamente nas mulheres, que tantas vezes encontram infraestrutura e espaรงo pรบblico de modo geral desadequado e pouco sensรญvel ร s suas necessidades, diria que รฉ preciso colocarmo-nos no seu lugar โ€“ no lugar das mulheres, mas tambรฉm das jovens e das crianรงas, fazendo com que as infraestruturas sejam antes de mais convidativas”, entende.

A EMEL tambรฉm tem reconhecido a relevรขncia do tema do gรฉnero associado ร  bicicleta. Em 2021, a empresa municipal desenvolveu um projecto de investigaรงรฃo, no รขmbito de uma iniciativa europeia, para tentar compreender como aumentar a utilizaรงรฃo da bicicleta por mulheres na cidade, entrevistando vรกrias utilizadoras do sistema de bicicletas partilhadas GIRA. Os dados revelavam, na altura, que em 2017 apenas 17% das pessoas que pedalavam em Lisboa eram mulheres, um nรบmero que subiu para 26% em 2020. Estes resultados, independentes da GIRA, reflectiam um progresso significativo, mas que ainda havia muito por fazer para garantir uma representaรงรฃo mais equitativa. Paralelamente, tambรฉm a Cรขmara de Lisboa estรก a investir no campo da arquitectura feminista, com iniciativas como a que estรก a decorrer no Bairro Padre Cruz, em Carnide. Atravรฉs de entrevistas de rua, procurou entender como tornar o espaรงo pรบblico mais seguro para todos, com foco nas necessidades das mulheres. Uma das medidas centrais foi a reconfiguraรงรฃo das paragens de autocarro para locais mais centrais, bem iluminados e frequentados, alรฉm da promoรงรฃo de ruas mais abertas e menos isoladas.

Bairro de Santa Cruz, por onde tambรฉm passarรก a ciclovia (fotografia LPP)

“Nรฃo serรก preciso enveredar pelo excesso de zelo, nem tรฃo pouco assumir uma postura paternalista ultra protetora”, diz Laura Alves. “Mas entre uma abordagem e outra โ€“ o excesso de zelo e a desconsideraรงรฃo completa โ€“ existe um meio-termo: um ponto รณtimo de conforto, de seguranรงa e de empatia, em que se reconhece que o espaรงo pรบblico e a infraestrutura para o uso da bicicleta deve responder a alguns critรฉrio bรกsicos: iluminaรงรฃo, visibilidade, conforto e acessibilidade.”

A seguranรงa nas ruas รฉ uma questรฃo crรญtica que nรฃo pode ser ignorada. Por exemplo, a passagem de bicicletas pelas traseiras dos prรฉdios da Rua da Venezuela pode parecer segura durante o Verรฃo, quando hรก boa iluminaรงรฃo, mas no Outono, Inverno e Primavera, quando escurece mais cedo, estas รกreas tornam-se menos seguras โ€“ para mulheres, crianรงas e jovens, mas tambรฉm para a generalidade das pessoas. Este exemplo realรงa a necessidade de considerar todos os aspectos ao planear infraestruturas, garantindo que nรฃo sรณ as propostas preliminares como os desenhos finais asseguram a seguranรงa de todas as pessoas, em qualquer altura do ano. ร‰ fundamental que estas questรตes continuem a ser abordadas de forma contรญnua e integrada, garantindo que o espaรงo pรบblico se torne verdadeiramente acessรญvel e convidativo.

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