Duas torres de 15 e 25 andares propostas para o Moinho das Antas reacenderam o debate em Oeiras sobre a construção em altura. A Câmara defende edifícios altos para libertar solo para espaços verdes e permeáveis, mas a população critica o impacto visual das estruturas.
Duas torres de 15 e 25 andares, propostas para um terreno baldio no Moinho das Antas, reacenderam o debate em Oeiras sobre a construção em altura. A Câmara liderada por Isaltino Morais tem defendido a implantação de edifícios com mais andares para libertar solo para outros usufrutos, nomeadamente espaços verdes e permeáveis. Mas os dois projectos já apresentados, tanto o agora do Moinho das Antas como outro do Espargal, têm tido fortes críticas da população. “Em vez de estar tudo ocupado por edifícios, a construção em altura dá-nos liberdade”, defende o autarca.
Isaltino Morais esteve, na passada quinta-feira, 5 de Setembro, a responder à população, numa sessão de esclarecimento sobre a designada Unidade de Execução do Moinho das Antas, que se junta à Unidade de Execução do Espargal, discutida e aprovada em 2023. “A orientação da Câmara é, sempre que possível, privilegiar a construção em altura para aumentar a permeabilidade do solo”, referiu o edil. Mas edifícios com mais de uma ou duas dezenas de andares não são de fácil aceitação pública, principalmente em territórios onde isso não é muito comum, como é o caso de Oeiras ou da generalidade da área metropolitana de Lisboa. No encontro desta quinta-feira, vários moradores criticaram a altura dos edifícios propostos, referidos por um dos presentes como “monstruozinhos”.
Unidade de Execução do Moinho das Antas, o que é?
Mas vamos por partes neste tema, e comecemos por entender o que é uma Unidade de Execução. Uma Unidade de Execução (UE) é um instrumento de gestão urbanística utilizado pelas câmaras municipais ou a pedido dos proprietários para organizar e planear intervenções em áreas específicas do território, permitindo uma visão de conjunto. No caso da UE do Moinho das Antas, vai servir para dar resposta a um terreno vazio de cerca de 12 hectares, situado no bairro do Moinho das Antas, em Paço de Arcos. Esta UE já foi aprovada pelo Executivo da Câmara de Oeiras, estando até dia 27 de Setembro em discussão pública, antes de chegar à Assembleia Municipal.
A constituição de uma Unidade de Execução para o Moinho de Antas resulta da revogação do Plano de Pormenor, que estava em vigor desde 1996 mas que nunca chegou a ser executado na totalidade (só em 77%). No âmbito deste plano, estava prevista a construção de uma estação ferroviária do Espargal, com o consequente encerramento da estação de Santo Amaro de Oeiras, opção que acabou por ser abandonada. Previa-se ainda a edificação de diversos blocos para habitação, comércio e serviços, e de um hotel. O terreno não seria totalmente urbanizado, restando uma área considerável (1,6 hectares) para um parque urbano. Do Plano de Pormenor do Moinho das Antas, só um dos edifícios de habitação chegou a ser construído, juntamente com o edifício da actual Biblioteca Municipal de Oeiras.
Um corredor verde, desde o norte de Paço de Arcos até ao mar
A Unidade de Execução do Moinho das Antas abrange sensivelmente as áreas não executadas do Plano de Pormenor revogado, ligando directamente à Unidade de Execução do Espargal. No total, são perto de 12 hectares, em que mais de 65% dessa área é de propriedade privada (dois proprietários diferentes, interessados na construção de nova habitação), sendo cerca de 27% de domínio municipal e uma pequena parcela é de domínio público ferroviário. Propõe-se agora a construção de um vasto parque urbano (Parque Urbano do Moinho das Antas), integrado num corredor verde que se inicia a norte de Paço de Arcos e liga ao mar, passando pelo emblemático Parque dos Poetas.
A UE integra também a execução de ligações cicláveis e pedonais entre a zona do Moinho das Antas e as duas estações ferroviárias mais próximas – Paço de Arcos e Santo Amaro de Oeiras –, e de novos atravessamentos sob e sobre a linha de comboio, permitindo vencer esta barreira, quer para peões e bicicletas, quer para automóveis e transporte público, melhorando o acesso à Marginal.
A proposta integra um reperfilamento da Avenida Dr. Francisco Sá Carneiro com a substituição de uma parte do estacionamento por um alinhamento arborizado, de modo a integrar este arruamento no corredor verde, bem como um reforço da oferta de estacionamento automóvel, seja através da reconversão de um edifício municipal num silo de estacionamento, seja na criação de novos lugares à superfície e também subterrâneos. Em termos de edifícios, a Unidade de Execução define três conjuntos: uma torre de 15 andares com 130 fogos de habitação; uma segunda torre de 25 andares para um máximo de 220 fogos; e um terceiro prédio de apenas seis pisos com 49 fogos. Subterrado, além de estacionamento, será criado um piso para comércio e serviços, permitindo que à superfície a maior utilização do espaço seja para o parque urbano.
Contas feiras, a área de construção total acima do solo será de 52,4 mil metros quadrados, menos 3,8 mil metros de construção em relação ao Plano de Pormenor. Isto permitirá um aumento de 21% das áreas permeáveis e de 17% de áreas verdes de usufruição pública.
A ideia da Câmara de Oeiras é integrar o Parque Urbano do Moinho das Antas e toda a envolvente, requalificada, num extenso corredor verde de cerca de 48 hectares, que começa no Parque Urbano Norte de Paço de Arcos, atravessa a Quinta do Torneiro, o Parque das Perdizes e o Parque dos Poetas, e chega ao mar pelo Espargal e pelo Moinho das Antas. “O conceito estratégico que envolve a constituição deste corredor verde encontra-se alinhado com o modelo de desenvolvimento urbano que se pretende consolidar no concelho nos próximos anos, estruturando-se com base no conceito ‘Oeiras – Cidade Verde e Azul'”, pode ler-se na memória descritiva da nova UE. “A implementação do ‘corredor verde’ preconizado na estratégia municipal, pressupõe uma alteração significativa à morfologia urbana preconizada no Plano de Pormenor do Moinho das Antas, implicando necessariamente, a revogação ou alteração do Plano de Pormenor.”
A delimitação da Unidade de Execução do Moinho das Antas foi proposta em regime de cooperação entre o Município e os proprietários dos terrenos, e vai permite que o desenvolvimento urbano se faça de forma integrada, com uma justa repartição de benefícios e encargos entre todos os envolvidos. As hortas urbanas hoje existentes no local serão mantidas. O investimento estimado para as infraestruturas, consideradas encargos globais, ronda os 9,8 milhões de euros e será responsabilidade dos proprietários privados. A autarquia prevê investir cerca de 7,4 milhões de euros nas obras de urbanização, classificadas como encargos especiais da operação.
População preocupada
Até dia 27 de Setembro, a população está convidada a participar na discussão pública sobre a Unidade de Execução do Moinho das Antas, através deste site e do envio de contributos para o endereço [email protected]. Toda a documentação está disponível aqui. Na sessão de esclarecimento da passada quinta-feira, 5 de Setembro, o Executivo da Câmara de Oeiras ouviu a população, ao lado dos técnicos responsáveis pelas simulações arquitectónicas, estudos e projectos preliminares para aquele terreno de 12 hectares, que hoje está baldio. “O projecto obviamente não é neste momento um projecto fechado, é o princípio estratégico”, foi garantido por um dos técnicos.
A população expressou a sua apreensão com a falta de estacionamento que diz haver na área, apontando que a construção das novas habitações poderá agravar os problemas existentes, além de poder aumentar o tráfego na zona circundante. Foram também comentados receios de que as casas próximas das futuras torres possam perder a sua vista ou ficar à sombra durante o dia, e feitas críticas ao futuro parque urbano, com preocupações de que os relvados propostos não consigam atrair a biodiversidade desejada para a área. Os presentes criticaram ainda a ausência dos dois proprietários privados na sessão pública, e alguns argumentaram que o encontro deveria ter sido transmitido online para uma maior transparência e inclusão. Da plateia, constituída por uma centena de pessoas, levantaram-se, contudo, elogios ao projecto, em particular à construção em altura.
Em resposta a vários munícipes, o Presidente da Câmara de Oeiras destacou que não se pode fechar o concelho a novos residentes, nem travar o desenvolvimento do mesmo. “O concelho vai continuar a crescer de acordo com o Plano Director Municipal”, prometeu Isaltino Morais. Sobre a questão do estacionamento, o Presidente da Câmara de Oeiras disse que o problema advém de as habitações terem sido construídas nos anos 1990 sem estacionamento em cave e de as famílias, que antes tinham apenas um carro, terem agora dois ou três. “O Município tem de investir para criar estacionamento, justamente para satisfazer as necessidades de pessoas que compraram as suas casas sem estacionamento em casa”, disse Isaltino, realçando que “são urbanizações novas como esta que vão pagar o estacionamento” dos actuais residentes e dizendo que estes serão, assim, “os principais beneficiários” das novas torres do Moinho das Antas. “Quem esta a pagar os custos sociais daquilo que eram as políticas de antigamente são as novas urbanizações. Eles é que têm de pagar as infraestruturas.”
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A polémica do Espargal
A construção em altura no concelho de Oeiras é um debate que se iniciou, pelo menos, em 2022 com outra Unidade de Execução, a do Espargal. Esta UE é contígua à agora apresentada UE do Moinho das Antes e previa, inicialmente, a construção de duas torres de habitação de 19 andares, com 15 fogos cada. Só que a oposição da população, ao longo de quase um ano, foi tal que uma das torres acabou por ser alterada para uma edificação horizontal de 10 andares, mais alinhada com a envolvente. A contestação foi consumada primeiro através de uma petição online – que, no início de 2023, levava mais de mil assinaturas –; e mais tarde através de uma associação de moradores, a Associação de Moradores “Espargal, Assim Não” (AMEAN), que fora constituída em Maio por alguns dos peticionários. Além disso, no período de discussão pública, foram recebidas quase 200 participações.
A Unidade de Execução do Espargal foi constituída com a revogação de um Plano de Pormenor de 1991, que previa a construção de mais prédios (e não apenas dois), cada um com entre seis a sete andares. Tal como no Moinho das Antas, a UE do Espargal abandonou essa ideia de criar bairros mais horizontais , com edifícios relativamente baixos, e seguiu a filosofia de construir em altura para libertar solo à superfície para outros usos, nomeadamente para espaços verdes e permeáveis. Na verdade, a UE do Espargal também propõe um extenso parque urbano, integrado no mesmo corredor verde que vai incluir a UE do Moinho das Antas, unindo o norte de Paço de Arcos ao mar. Os dois edifícios a construir serão para habitação, e terão também comércio e serviços.
Vê aqui a proposta final da UE do Espargal:
E recorda a proposta inicial:
A Unidade de Execução do Espargal prevê também a execução de uma passagem pedonal inferior entre o Parque dos Poetas e o Espargal, uma passagem pedonal sob a linha de comboio, a requalificação da Rua do Chafariz e a criação de um percurso ciclável, parcialmente segregado, entre a estação ferroviária de Oeiras e a de Paço de Arcos, que vai chegar ao Moinho das Antas.
A concretização da Unidade de Execução do Espargal vai ocupar o terreno onde, em tempos, tinha funcionado um matadouro municipal e, mais recentemente, as oficinas da Câmara. Esse terreno foi vendido, em 2020, pela autarquia a uma sociedade de investimento imobiliária – um negócio no valor de 14 milhões de euros; e dois anos depois, é constituída a UE. “O modelo urbano inicialmente definido propunha a construção em dois edifícios, libertando a área envolvente para o corredor verde. Após análise e ponderação das participações recebidas, a Câmara reavaliou a posição do edifício poente, propondo uma nova solução na horizontal, ao longo da Rua do Chafariz”, aponta a autarquia.
Uma sessão de esclarecimento promovida pelo Executivo Municipal em Setembro de 2023 colocou um ponto final na discussão do Espargal e conduziu à aprovação final do plano. Esse encontro, que decorreu coincidentemente também num dia 5 de Setembro e na Biblioteca Municipal de Oeiras, como a sessão do Moinho das Antas, e juntou duas centenas de pessoas. Apesar da alteração do projecto, a população continuou a contestar a proposta urbanística, com a generalidade dos argumentos a serem semelhantes aos apresentados para o Moinho das Antas, nomeadamente em relação ao impacto na nova população no trânsito e no estacionamento, mas também com argumentos relacionados com o impacto visual e paisagístico da torre de 19 andares que foi mantida.
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Numa publicação recente no Facebook, a Associação de Moradores “Espargal, Assim Não” (AMEAN) referiu que tanto o Espargal como o Moinho das Antas revelam, da parte da Câmara de Oeiras, um “desrespeito pelas mais elementares regras do Urbanismo, entre elas, a destruição do enquadramento paisagístico e arquitectónico da área envolvente” e também um “desrespeito pela cércea (altura média dos prédios) envolvente” e pelo sistema de vistas, estando comprometida a “qualidade de vida dos munícipes residentes em toda a zona envolvente com o aumento do tráfego e poluição”. Referem que são “projectos que estão a destruir a identidade do nosso território e a qualidade de vida dos que aqui residem”, que “promovem a gentrificação”, e que “não visam nada mais do que o fluxo de verbas para a Câmara de Oeiras, afim de atenuar o despesismo e os erros de gestão que todos conhecemos”.
Depois do Espargal, a AMEAN promete contestar a proposta para o Moinho das Antas. Ao jornal Público, Patrícia Ribeiro, vice-presidente da associação, refere que “não se trata apenas de um problema do Espargal ou do Moinho das Antas, mas sim de um problema que afeta todo o concelho”. A associação está a convocar uma segunda reunião de moradores para fazer um balanço do encontro promovido pelo Município na passada quinta-feira; será nesta terça-feira, dia 10, pelas 19h30 na garagem do número 11 da Rua Oeiras do Piauí. Uma primeira reunião já tinha sido promovida dois dias antes da sessão pública de esclarecimento sobre a UE. “A autarquia pretende aprovar a construção de três blocos, sendo que um deles será uma torre com 25 andares, o que corresponde a pelo menos 87 metros de altura. Recordamos os 19 pisos da Torre do Espargal que tanto indignaram os moradores da zona! Um dos outros blocos terá 15 pisos”, pode ler-se nas redes sociais da AMEAN. “Se os cerca de 250 novos moradores das Torres do Espargal vão causar um impacto significativo nos problemas já existentes de tráfego, estacionamento e a insuficiente resposta dos transportes públicos na zona, o que dizer de mais estes três blocos de apartamentos no Moinho das Antas?”
Não há dúvidas de que as áreas vazias entre os bairros do Espargal e do Moinho das Antas precisam de ser integrados na restante malha urbana, mas as discórdias centram-se no modo de realizar essa urbanização. Mais consensual é a a Unidade de Execução das Antas Sul, que foi definida em 2020, e que liga às unidades de execução que agora têm estado em discussão. Abrangendo uma área de 17,4 hectares, esta UE vem propor uma nova centralidade vocacionada para o turismo, a hotelaria e a excelência dos equipamentos e espaços públicos, concretizando os objectivos preconizados para a valorização do corredor litoral como a integração e fruição da frente ribeirinha, a dinamização de actividades ligadas à náutica, ao turismo e à economia do mar, o reordenamento das acessibilidades e estacionamento, a melhoria das condições de mobilidade suave, a requalificação de espaços de recreio, desporto e lazer, a promoção da sustentabilidade, e a valorização da paisagem.
Nesta Unidade de Execução não há torres, mas ela é relevante neste artigo porque completa o contexto global deste território do Espargal e Moinho das Antas, em Paço de Arcos.